28 julho 2009

Um bom começo












Aqui no Brasil, dia 12 de junho foi o Dia dos Namorados. Na Islândia, foi o aniversário de dez anos do disco (já clássico) "Ágætis byrjun". A maior revolução musical da terra do gelo, do fogo e do vento depois do Björk (ex-vocalista da também importante Sugarcubes) foi realizada pela banda Sigur Rós, até então pouco conhecida no país e praticamente ignorada pelo mundo.
A banda, que começou em 1994, até então só tinha um lançado um disco (que se chamou "Von", mas essa já uma história prometida para um outro dia). Insatisfeitos com o disco, que vendeu apenas 1000 (ou 2000) cópias. A banda entrou em estúdio para uma segunda tentativa.
Dessa vez, contavam com a ajuda de um novo membro, um velho amigo, e um ex-parceiro da ex-banda do vocalista (Johnny and the beespiders): Kjartan Sveinsson. Conforme já foi dito em um post bem anterior, o barbudo chegou na banda para tocar piano, guiatarra, baixo, flauta e arranjos de corda.
Kjartan, crente de que a banda do amigo Jón poderia ser boa apesar do fracasso de "Von", se juntou aos outros três integrantes e, como um quarteto, escreveram a música que dá título ao álbum. A música fala sobre a satisfação de gravar uma boa música, passear pela cidade e comemorar com os amigos. A música também fala sobre esperança ("Von"), sobre decepção ("Von brigði", álbum de remix das músicas de "Von", lançado um ano após o álbum original) e sobre como a banda pretende fazer tudo melhor da próxima vez, afinal, esse é um bom começo ("Ágætis byrjun"). E, de tão satisfeitos que ficaram com as músicas, resolveram produzir um novo álbum.
Chamaram o produtor e amigo Ken Thomas, contratram um quinteto de instrumentos de sopro (ou de metais), um quarteto de cordas (Amiina, com quem viriam a trabalhar e ocasionalmente se relacionar como amigos e maridos, até os dias de hoje) e se trancaram em um estúdio. Entre as músicas surgidas para esse álbum estão "Svefn-g-englar" (e o famoso refrão "tjúúú"), "Starálfur" (e a belíssima introdução de violinos, viola e cello), "Ný batterí" (com a introdução de contrabaixo e metais e o característico crescendo ao longo da música), "Viðrar vel til loftárása" (com toda a melodia composta em piano e um ápice orquestrado e enlouquecido), "Olsen Olsen" (retomando o idioma vonleska, desenvolvido para a música "Von" do ábum de mesmo nome, lançado 2 anos antes, e para tantas outras músicas antes e depois), "Nyja lagið" (que só foi lançada ao vivo e em um EP), "Hjlómalind" (que se chamava "Rokklagið") e "Í gær" (que se chamava "Lagið í gær").
Todavia, antes que as três últimas músicas ficassem prontas e entrassem no álbum, o baterista Ágúst Ævar Gunnarsson saiu da banda. Não por desentendimentos pessoais ou po desacreditar na banda, mas para se dedicar a família e ao seu emprego. Desejou sorte e sucesso apra banda, abençoou o trabalho e partiu (ele só voltaria a tocar com a banda em uma ocasião, em 2006, quando tocaram "Von" gratuitamente para a cidade de Reykjavík). Perdidos e surpreso, a banda cogitou se separar. Mas, eis que surge um novo baterista por indicação do próprio Ágúst: Orri Pall Dyrason.
Satisfeitos (e impressionados) com o talento de Orri, a banda deu seqüência ao término do disco. Com a idéia de tocar um trecho do refrão de "Ágætis byrjun" ao contrário na abertura do disco (faixa 1, popularmente conhecida como "Intro") e de rodar o arranjo centro de "Starálfur" com a velocidade dividida no encerramento do disco (faixa 10, chamada "Avalon"), o disco mudou sua configuração!
"Ágætis byrjun" saiu da primeira faixa e foi a para a penúltima (nona). Com isso, "Flugufrelsarinn" (quarta faixa, escrita em cima de uma mórbida lembrança da infância de Ágúst) ganhou um novo tom e elaborou uma introdução diferente para "Ný batterí" (que também ganhou letras em islandês ao invés de vonleska). A faixa 6 "Hjartað Hamast (bamm bamm bamm)" também sofreu modificações, embora mais sutis. E, enquanto a "Viðrar vel til loftárása" teve seu apoteótico arranjo sinfônico reduzido drasticamente, a passagem da música "Svefn-g-englar" para "Starálfur" (respectivamente segunda e terceira faixas) foi modificada e elaborada de forma mais complexa.
No todo, o disco ficou mais coeso (é considerado o álbum de sonoridade mais característica do Sigur Rós e é curioso perceber como não existe intervalo silencioso entre uma música e outra). O disco apresentou uma complexidade maior de arranjos ao mesmo tempo que uma simplicidade bela nas composições. Muito disso deve-se aos esforços de Kjartan, ao talento de Orri, ao amadurecimento de Jón e, não podemos nos esquecer, da presença de Georg. Somando-se esses elementos todos com a ambição de modificar o conceito de música para todo o sempre (o Sigur Rós declarava que queria ser lembrado pelas pessoas não como uma banda, mas como música), "Ágætis byrjun" foi lançado em 12 de junho de 1999, na Islândia.
Com tiragem inicial de 2000 cópias (cujos encartes foram colados a mão, o que resultou em manchas em cima das ilustrações feitas a caneta esferográfica pelo Jón), o disco vendeu 10000 cópias na Islândia em um ano (um recorde para época, que só foi superado pelos álbuns seguintes do Sigur Rós, especialmente os dois últimos). No ano seguinte, o disco deixou de figurar apenas no catálogo da gravadora Krúnk e do selo Smekkleysa/Bad Taste e foi parar na Inglaterra através da Fat Cat. De lá, rumou para a Europa continental e depois para o Estados Unidos da América, chegando inclusive ao Brasil, em 2001, pela gravadora Trama (por motivo da vinda da banda para o Free Jazz Festival).
Até 2001, o famoso disco do anjinho ou do feto alienígena (como ficou conhecido por aqueles que não conseguem pronunciar a-GUÉ-tis-BÍR-i-um) vendeu 500 mil cópias no mundo todo. Até o dia de hoje, estima-se um total de mais de 1 milhão de cópias: ou seja, o disco islandês mais vendido da história! Não bastasse isso, em uma enquete realizada em 2000 e em duas enquetes realizadas nesse ano, "Ágætis byrjun" figurou com o primeiro álbum numa lista dos cinquenta ou dos cem melhores álbuns de toda a história da música islandesa (superando o famoso nome de Björk e outros nomes clássicos com Kukl, Sugarcubes, Icecross, Thor's hammer, Trúbrot, Purrkur Pillnikk, Theyr, Didda, Unun, Ham, Lhooq e populares como Magga Stina, Emilian Torrini, Gus Gus, Múm, Bellatrix, Dip, Ólafur Arnalds, etc...). Também é considerado um dos 1001 discos essenciais para se ter e ouvir antes da morte.
Foi graças ao sucesso do EP "Svefn-g-englar" no Reino Unido que a banda passou a figurar entre os queridinhos pelos indie, pelo Grammy e por artistas diversos como Radiohead e Mettalica, Madonna e U2, David Bowie e Natalie Portman. Aliás, tal EP gerou polêmica e fascínio ao originar um video-clipe rodado em câmera lenta mostrando uma companhia de ballet de portadores de Síndrome de Down representando o início e o fim do inverno (a música foi a que dá título ao EP, mas enquanto a própria banda dirigia, eles dançavam uma coreografia ao som de "Strarálfur"); e um outro video-clipe também rodado em câmera lenta pela própria banda, sobre o relacionamento amoroso entre dois garotos ("Viðrar vel til loftárása").
O álbum ainda rendeu um outro single ("Ný batteri") que continha duas músicas tradicionais islandesas que foram executadas a pedido do sacerdote pagão, poeta, bardo, músico eletrônico, ativista new age, vanguardista do heavy metal, cantor erudito Hilmar Órn Hilmarrson (um nome importante na cultura musical e religiosa da Islândia, que na época compunha a trilha sonora do filme "Anjos do universo"). Mas, mais do que isso, "Ágætis byrjun" rendeu ao Sigur Rós convites para trilhas sonoras de filmes holywoodianos ("Vanilla sky", por exemplo), parceirias artísticas (com Radiohead para o "Split sides" da companhia de ballet de New York Mercy Cunnigham), para grandes gravadoras (Sony), para o cinema (no documentário "Heima") e para tantos outro projetos.
O disco na embalagem fina de papelão, foi quem introduziu o Sigur Rós na vida e na lista de músicas de muitos ouvintes pelo mundo. Fenômeno que só retornaria a acontecer em 2005, quando o quarto álbum da banda, “Takk...” (que também circula entre os 50 melhores álbuns islandeses de todos os tempos, ao lado do impronunciável álbum de 2008) iria gerar novos fãs. O que se espera, agora, é que quando a caixa especial de 10 anos de lançamento de "Ágætis byrjun" no exterior saia o ano que vem, contendo materiais inéditos, materiais ao vivo, vídeos, textos e fotos, uma nova leva de público tome contato e gosto com a banda.
Então, enquanto você não recebe o disco de Jón e Alex (o "Riceboy sleeps"), ou enquanto a trilha sonora de "Ondine" não fica pronta (filme dirigido por Neil Jordan, trilha composta por Kjartan) ou enquanto nem o disco solo de Jón e nem o futuro e sombrio e ambient music álbum prometido pelo Sigur Rós e já em andamento não fica pronto, tire a poeira do seu álbum de capa preta com um feto anjo, ainda com cordão umbilical, junta as mãos em prece. Agora, se você leu até aqui e não tem a mínima idéia do que estou falando, este é um bom começo. Pois, como lemos no encarte prateado e curvo de "Ágætis byrjun": “a maior criação de deus, é um novo dia”.

Nenhum comentário: