29 novembro 2008

Uma história contada pelos perdedores









Muito há para se dizer sobre Nárnia. Podemos enumerar algumas curiosidades, ou podemos tratar de sua história e geopolítica. Podemos até refletir sobre suas influências, mas acredito que o que realmente é mais significativo na obra de C. S. Lewis seja o teor religioso presente em seus livros. O conteúdo cristão é tão presente, que se torna quase impossível pisar em Nárnia no cinema ou em casa e não perceber que Aslam é uma figuração de Jesus Cristo, as quatro crianças são como os quatro apóstolos evangelizadores e a Feiticeira Jadis como Satanás, por exemplo.







Mas, levando-se em conta que Lewis abandonou o ateísmo e se tornou evangélico graças a uma conversa com Tolkien (que na verdade era católico), ele não só recontou os mitos bíblicos como os recontou do ponto de vista dos ganhadores (como sempre aconteceu ao longo da história). Dessa forma, questiono: como seriam as "Crônicas de Nárnia" do ponto de vista dos pagãos que adoram o deus Baco, o deus Rio, as ninfas, os faunos e as profecias nas estrelas? O as guerras contra os narnianos e os arquelanos, do ponto de vista dos mouros idólatras da Calormânia? E ainda, como sobreviveram os cultuadores dos mistérios sombrios da demônia das neves chamada de Jadis? Sem contar os romanos conquistadores de terras e caçadores de cristãos que habitam Telmar.







Quando Lewis escreveu a primeira crônica em 1949, "O leão, a feiticeira e o guarda-roupa" de 1950, ele não pretendia fazer uma série de livros. Sua intensão era apenas fazer uma alegoria do evangelho para crianças, usando-se de mundos de fantasia. O nome surgiu de uma cidade italiana, mas também pode significar "contos profundos" em quênia, uma língua criada por Tolkien (que detestou o livro e quase convenceu Lewis do mesmo). Uma vez que já estamos em terreno italiano mesmo, Lewis resolveu se apoderar da mitologia greco-romana para povoar seu mundo com centauros, minotauros, faunos e ninfas. As crianças que visitaram Nárnia de fato visitaram sua casa durante a segunda guerra mundial, mas tinham outros nomes. Depois disso, foi só incluir um leão e uma feiticeira com nomes em persa (significando "leão" e "feiticeira").






Só no ano seguinte, quando Lewis deu início a um livro chamado "Return to Narnia" (mais tarde publicado como "Príncipe Caspian") é que uma série foi planejada. Foi o amigo Roger Lancelyn Green quem sugeriu chamar a série de "Crônicas de Nárnia" (uma sugestão muito bem aceita por Lewis). Assim, de 1950 até 1956, uma vez por ano as crianças eram presenteadas com algum livro novo sobre Nárnia e sobre Aslam (o único personagem que aparece em todas as histórias). Uma vez que a ordem publicada é diferente da ordem em que foram escritos, para explicar melhor meu ponto sobre as guerras santas de Nárnia, vou usar a ordem em que se desenvolve a história, ok?






De acordo com o "Sobrinho do mago", foi no ano 1 de Nárnia, quando Aslam criou todas as paisagens e habitantes daquele reino, que a feiticeira Jadis foi trazida de seu mundo de pedra chamado Charn através de anéis atlantes de alguns humanos da Terra (o professor Diggory). Até então, não havia religião alguma, apenas alguns deuses da terra e Aslam. Enquanto muitos habitantes pareciam apenas festejar e dançar com os deuses (como ocorre na tradições familiares pagãs da Itália) o culto de outros habitantes realmente passou a ser para com Aslam. Jadis ainda não desenpenhava nenhum papel importante nesse momento. Vemos aí que, se para os cristãos, esse livro trata da Criação, se ele tivesse sido escrito or pagãos, ele trataria daquele momento em que os imperadores cristãos de Roma permitiam cultos a Isis e Mitra em suas cidades, ou quando os druidas irlandeses toleravam as igrejas católicas que eram erguidas para adorar mais um outros deus. É um momento de paz e convivência como desejamos hoje.






Então o tempo passa, a Arquelândia é fundada, as Ilhas Solitárias são incorporadas a Nárnia e a rainha Jadis retorna em 898, para dar início ao longo inverno (que foi do ano 900 ao ano 1000, quando quatro crianças entraram por um guarda-roupa e se tornaram os reis de Nárnia). "O leão, a feiticeira e o guarda-roupa" se trata, na verdade, da morte e do renascimento de um deus. Para um cristão, essa é a palavra dos evangelhos, mas se a história tivesse sido contada pelos pagãos, provavelmente seria dito algo como: 'o inverno representa aquele período mítico em que a deusa (Jadis?) está enlutada pela morte de seu consorte (Aslam) ao mesmo tempo em que espera o nascimento de uma nova esperança em seu ventre (o Aslam reformado após a conversa e o sacrifício junto a Jadis), quando a primavera retorna, imitando os ciclos da terra das plantas que secam quando o sol se afasta e das flores que renascem quando o sol se fortalece'.





Uma nota rápida e importante, o monte de Aslam, onde magia antiga e profunda é feita, onde runas sobre uma mesa contam histórias de Nárnia e marcam a morte e o renascimento do grande leão Aslam, é chamado Arslan Tash ("leão de pedra" em turco). No nosso mundo real da Terra, esse lugar é um sítio arqueológico onde se investiga sobe Lillith, a primeira mulher anterior a Eva que mais tarde se tornou um demônio e a grande inspiração para Jadis. Curioso, não é? E questão dos nomes turcos voltará mais adiante, garanto.






Parece esquisito olhar sob essa ótica? Talvez não seja tanto se pensarmos que muitos mitos se repetem nas mais diversas culturas e que muitos costumes e símbolos foram incorporados pela Igreja Católica quando levou sua palavra a populações pagãs, obrigando-os a aceitarem-na como vedadeira. Esse momento histórico pode ser visto perfeitamente em "Príncipe Caspian", quando vemos Telmar tomando todas as terras de Nárnia e apagando as lendas narnianas (ou, Roma conquistando terrenos e convertendo todos os pagãos). Então, concluo que esse processo iniciado no ano 1, quando 'seguidores de Aslam' e 'seguidores dos deuses' conviviam juntos, chegou a um conflito no ano 1998, quando os 'seguidores de ninguém' caçaram e desmereceram os 'seguidores de Aslam e dos deus' (notem como em Nárnia havia uma integração do deus Aslam junto com os outros deuses da terra, semelhante a forma como os druidas se comportaram na Irlanda). Claro que o rei Caspian X mudaria o rumo dessa situação em 2303, mas algo muito interessante ocorre nessa época.






Durante a chamada "Guerra da libertação", Caspian X descobre que ainda existem lobisomens, feiticeiras e anões que cultuam Jadis. Não é interessante que Jadis tenha um culto? Não é interessante que seus cultuadores fossems eres deformados e habitantes do submundo? Vemos aqui, então, que "Príncipe Caspian" poderia ter sido contada por cristãos (como foi), por pagãos (como razoavelmente foi) e por satanistas (como Lewis jamais cogitaria). O satanismo é uma religião como qualquer outra e merece respeito e não estigma. Não vou entrar no mérito da questão de como é o satanismo real, mas em Nárnia podemos conjecturar algumas coisas.






O culto a Jadis, provavelmente, pregava o poder de realizar desejos e necessidades básicas, encarando todo ser como o animal que realmente é. Além disso, fica claro que os cultuadores de Jadis são aqueles que divinizaram uma figura histórica (tal qual os egípcios faziam). Mais ainda, os cultuadores de Jadis eram de alguma forma descriminados pela sociedade em que viviam e se recolhiam para os recônditos mais ermos do reino de Nárnia. Portanto, creio que se "Príncipe Caspian" fosse contata pelos maiores perdedores da história (mais do que os narnianos escondidos ou os telmarinos derrotados), veríamos uma história sobre grupos pequenos de excluídos tentando se aliar aos vizinhos anrnianos, enquanto encontravam uma forma de impedir o crescimento demasiado do império Telmar (em pleno auge de seu verão bélico) através do desvendamento dos mistério de Jadis: onde uma criatura pequena e mortal deixa sua existência de solidão e alcança glórias divinas.





Bem diferente do que lemos no livro ou vimos no filme, não é? Talvez Lewis tenha deixado essa margens interpretativas propositalmente, talvez não. O fato é que podemos entender qualquer história sob os mais diferentes pontos de vista. Claro, que em alguns momentos fica um pouco mais difícil enxergar Nárnia sem ser pelo cristianismo, por exemplo: "A viagem do Peregrino da Alvorada", no qual Lúcia, Edmundo e o primo Eustáquio viajam pelas Ilhas Solitárias ao lado do rei Caspian X e do rato solado Ripchip, 3 anos depois da Guerra da Libertação. Esse livro mal trata sobre conflitos religiosos, focando-se quase que unicamente no mistério do batismo e do sacrifício (de acordo com interpretações cristãs, é claro). Eu até poderia indicar como os ritos pagãos de apresentação de uma criança aos deuses ou os ritos de iniciação em um sacerdócio pagão se assemelham a essa realidade do batismo, mas seria chover no molhado e fugiria do tema. Além do fato de que já foi dito o quanto as religiões se misturaram e se assemelharam ao longo dos tempos. E, um último bom motivo para não se aprofundar nessa questão é que muito disso já pode ser entendido no culto a Jadis (está bem, eu assumo, li o livro há tanto tempo que mal me lembro dele).





A história continua com o casamento de Caspian X em 2310 e o desaparecimento de seu filho Rillian em 2345 (mesmo ano da morte de sua esposa). Mas é só 11 anos depois que os Filhos de Adão e as filhas de Eva (nomes dados as crianças terráqueas) voltam para Nárnia. Essa história é narrada em "A cadeira de prata" (que poderia ter sido chamada de "Terras desoladas e selvagens" ou "Sob Nárnia"), um dos poucos sem a participação de criança alguma Pevensie. E esse seria outro livro a tratar muito pouco sobre conflitos religiosos em Nánia se não fosse por alguns detalhes próximos da conclusão da aventura.





Apesar da personagem Jill se preocupar em achar os sinais que Aslam dá para ela (par encontrar e salvar o príncipe Rillian), o momento mais importante de toda a história é quando descobrimos através de gnomos que habitam o submundo de Nárnia (onde a noite é eterna e tudo é novidade) que há um Pai Tempo faminto girando as rodas do mundo. Nárnia será extinta (como se confirma mais adiante na série). Não bastasse essa figura saturnina de um Chronnos, somos apresentados a um Feiticeira Verde. Não são poucos os boatos e referências que sugerem que a Feiticeira Verde e a Feiticeira Branca sejam a mesma pessoa. Teria Jadis trocado as neves pelas festividades de outono (conforme se vê na "Cadeira de prata")? Jadis torna a habitar o submundo e as beiras do abismo, sendo seguida por criaturas desprezadas planeja atacar Nárnia por baixo. Tal qual Jadis já enfrentara outros reinos de homens, a Feiticeira Verde ludibria Rllian como um Satanás.





A Feiticeira Verde, figura que parece amar música e comida, veste as cores da primavera mas fala sobre o outono, estações que circulam ao redor do verão, quando o deus sol se mostra no ápice. Primavera e outono, respectivamente, também são estações destinadas as figura divinas das donzelas em flor da idade (quando sua sexualidade desabrocha e seu encanto se torna mais poderoso) ao mesmo tempo que os frutos nascem (como as donzelas que engravidam para se tornarem divindades maternas). Seria a presença do Pai Tempo um indicativo de mudanças? Afinal, primeiro houve a divindade rainha Jadis e depois a divindade donzela da Feiticeira Verde. A ordem das sazonalidades do mundo poderia estar invertida e esquisita devido a influência de Caspian e Rillian em Nárnia. Um mundo natural governado por homens foge ao controle e fica sob um controle não-natural, muitas vezes. Não é à toa que Nárnia iria acabar em breve: os cultos de outono ficavam guardados para populações escondidas em cavernas e florestas, enquanto o cristianismo de um império apra Aslam era clamado aos quatro cantos do reino.





Mais do que a vida do cristão semeando sua entrada no céu contra as tentações de Satanás, "A cadeira de prata" poderia se tratar de um apelo ambientalista as religiões que desconectam o home de sua natureza animal. A força do mundo é muito maior que qualquer coroa ou estandarte, Jadis mostrou isso uma vez e tentou mostrar de novo. Falhou. E assim chegamos aos momentos finais de Nárnia, como "A última abtalha" (também, o último livro a ser publicado na série).





Partindo as profecias bíblicas do apóstolo João na prisão, quando as religiões se unissem, esse seria o sinal de que o anticristo nasceu e que o mundo estaria perto de seu fim. Talvez, não tenha sido a toa que o criacionismo radical de Lewis tenha visto um macaco (o ancestral evolutivo do homem) como o papa negro que serviria como arauto da última batalha por Nárnia, quando a religião dos calormanos se uniria religião dos narnianos. É aqui que presenciamos Tash, o único oponente legítimo de Aslam. Em 2555, sob o reinado de Tirian, Manhoso (o macaco) propõe um culto unificado a Tashlam, marcando o início do fim previsto pelo Pai Tempo.





É importante notar que os calormanos já haviam sido explorados no livro "O cavalo e seu menino", o único inteiramente passado me Nárnia, no qual o menino Shasta foge da Calormânia rumo a Nárnia, sempre sendo seguido por Aslam. Lá descobrimo que a Calormânia é como um império otomano, cujo símbolo é uma crescente e os governantes são sultões sob abóbadas e mesuitas, cercados por areia e calor, turbantes e túnicas, cimitarras e arabescos. Só assim podemos concluir que talvez a Calormânia seja islâmica. E uma vez que para muitos, o judaísmo, o islamismo e o cristianismo se trate da mesma religião cultuadora de um mesmo deus, Lewis poderia ter se sentido ofendido e observado aí um sinal do fim dos tempos, o apocalipse se aproximando na união dos ícones de Tash com Aslam. Mas, então, por que batizar o deus cristão com um nome turco?





Talvez, se a história fosse contada pelos calormanos, de fato Aslam e Tash seriam a mesma divindade, mas com símbolos e em culturas díspares. Talvez, assim como os turco-otomanos sincretizaram o cristianismo na península ibérica durante o século IX, os calormanos poderiam viver em paz regrada com os narnianos. Talvez os cavalos dos calormanos falassem e fosse respeitados, também. Nunca saberemos, pois Lewis não só acabou e reconstruiu o mundo de Nárnia nas terras de Aslam (o paraíso?) como contou toda essa história sob a ótica dos vencedores, como sempre acontece na história.




Penso que tudo teria sido diferente se Suzana tivesse participado desse último livro, mas isso fica para um outro post...

28 novembro 2008

O chamado de Dagão



"Call of Cthulhu" não só é o nome de um popular e maravilhoso RPG, como também o do conto mais famoso de Lovecraft. Aqui, pela primeira vez conhecemos o famoso grande deus antigo Cthulhu (tão importante em sua obra), como começamos a ver uma sistematização dos mitos que o envolvem. E Cthulhu não poderia ser descrito de outra forma além de uma gelatina de limão na forma de um gigante barrigudo, com cabeça de polvo, pata de vaca, asas de morcego e alguma coisa de elefante. Parece absurdo? Então, olhe a figura ao lado e leia o resto deste post. Tem muitos mais absurdos.




O primeiro deles, para os incautos, é que Cthulhu não é exatamente uma criação de Lovecraft (assim como alguns outros elementos de suas obras). Cthulhu, algumas vezes, pode ser identificado como Oannes ou Uan ou Adapa ou Abgallu, um deus fenício-babilônico metade homem e metade peixe enviado pelo Criador com o propósito de civilizar a humanidade. Mas, além dessa espécie de tritão, Cthulhu costuma (e deve) ser identificado com Dagon (ou Dagão, no nosso idioma). Dagão é um divindade semítica da agricultura e da pesca, adorado principalmente pelos filisteus em um templo na cidade de Ashdod. Como punição por idolatrar a imagem de dito demônio, Deus (aquele dos cristãos, sabe?) destruiu as pedras do lugar e mandou uma ifnestação de ratos e hemorróidas assolar a população.



Esta história sobre Dagão pode ser encontrada na "Bíblia Sagrada", nas passagens: Juízes 16:23, Samuel I 5: 2-7 e Crônicas I 10:10. Lá sabemos como Dagão enfrentou Sansão. Mas, essa não é a única passagem literária na vida desse deus que é ao mesmo tempo cria, servo e o próprio Cthulhu. Ele aparece brevemente como uma versão dos mitos medievais sobre o kraken em obras de lord Dunansy e do galês (adorado por Lovecraft) Arthur Machen, como uma espécie de Asmodai (deus da magia cerimonial) conhecido na obra como acqua hominis. Porém, as melhores referências sobre Dagão estão em Lovecraft mesmo. Nas contos "Dagon" e "Sombra sobre Innsmouth".



No primeiro deles, que leva o nome da divindade, somos confrontados com um sobrevivente de guerra que chega a uma ilha espanhola e literalmente dá de cara como um deus monstro saído do mar. Na outra (em formato de noveleta foi o primeiro e único livro de Lovecraft publicado em vida, sem contar os contos em revistas de ficção científica e horror, apesar do desagrado do autor com o ritmo dessa história) conhecemos um personagem que visita a estranha e assombrosa cidade de Innsmouth, que parece guardar um segredo sombrio em seu passado e em seus habitantes metal e fisicamente deformados. A história de suspense segue para um ritmo de pânico e medo quando é descoberta uma igreja chamada 'Ordem Esotérica de Dagon' (esse religião de fato passou a existir no final dos anos 60 e hoje possui templos e sacerdotes na América do Norte e em alguns outros pontos pelo globo). O clímax revelador e supreendente torna esse conto uma obra prima, que mais tarde foi transformado em filme pelo especialista em Lovecraft, Stuart Gordon ("Dagon, 2004").


Para quem quiser trocar sua pele por escamas, suas traquéias por guelras, seus membros por nadadeiras ou suas pálpebras e espaço entre os dedos por membranas, rezem para o pai Dagon e a mãe Hydra (aquela serpente grega, que dispensa mais apresentações, certo?). E torçam para que o todo poderoso Cthulhu atenda suas preces, tornando-o em um de seus Deep Ones (como são chamados os "seres das profundezas" que rezam na Esoteric Order of Dagon, E.O.D.). Dúvida que dê certo? Aguardem meu post sobre o "Necronomicon" ou tentem vocês mesmos em casa.

O "white album" do Sigur Rós






Em 1999, "Ágætis byrjun" fez um sucesso que a banda não esperava. Vendeu meio milhão de cópias no mundo todo. Isso em se tratando de um álbum todo cantado em islandês, com ilustrações feitas a caneta bic e um encarte colado a mão (nas primeiras impressões, claro). A sonoridade esquisita que foi definida como "canção pop do futuro mais esvoaçante e lenta", atingiu mais do que um público alvo. A banda que fizera um primeiro e obscuro álbum (fora de catálago por anos) mais voltado para a universalidade sonora, apresentava agora um segundo álbum mais voltado para os vulcões, geleiras, ventos e noites islandesas. Ainda assim, a situação se inverteu e o mundo se apaixonou pela recém descoberta da terra da Björk.




Com trilhas em filmes e cvideo clipes na tv, a expectativa por um novo álbum da banda era grande (provavelmente, ainda menor do que a da própria banda). Assim, durante poucas semanas de 2002, a banda entrou em estúdio sob a co-produção de Ken Thomas (ele tinha trabalhado com a banda no álbum anterior) e com a participação do quarteto de cordas Amiina (na época se chamava Amina, com um "i" só, antes de um processo de uma cantora de mesmo nome). O álbum ficou pronto rápido, sem muitas filtragens e polimentos, de acordo com o vocalista Jónsi. Muitas das músicas já vinham sendo experimentadas em shows (e até na trilha sonora do "Vanilla sky"). Ah, aquele também seria o primeiro álbum sob as baquetas do novo baterista: Orri Páll Dýrason. O antigo saíra para se dedicar a família e a fazenda logo depois da gravação do segundo álbum. A partir de então, essa seria a formação oficial do Sigur Rós (até os dias de hoje).




O resultado do álbum foi "( )". Quem conhece a banda sabe do que estou falando, quem não conhece não precisa se preocupar: o nome do álbum é justamente "( )". Sim, "parêntese aberto, espaço, parântese fechado". Claro, ao longo desses tempos, "( )" recebeu muitos nomes dos fãs que queriam se referir ao álbum em alguma conversa: "parênteses", "álbum branco", "pulsar" e, mais comumente até pelos membros da banda o "Svigaplatan" (ou, "álbum dos parêntes", menos curioso mas mais propício). E a estranhísse não acaba aí. A capa do disco (com 4 versões diferentes ao redor do mundo) era uma imagem indecisa e desfocada recortada no formato de dois parêntes. Simples, uma embalagem em plástico reciclado branco com dois sulcos levando o nome "( )"; dentro da embalagem a caixinha normal do cd com um encarte feito em papel vegetal estampado alguma imagem escura na frente. Assim, ao ter o cd em mãos, você só vê borrões pretos no formtao de dois parêntes. Não há nenhuma indicação do nome da banda, dos músicos, dos produtores, do estúdio e das músicas.




Não há nome das músicas? Sim. O encarte é constituído de 8 páginas em branco, cada uma para cada música. Como as músicas são cantadas em vonlenska (ou hopelandic), elas não possuem tradução ou significado. Está ficando mais difícil? Bem, explico: desdes os primeiros trabalhos da banda, algumas músicas são cantadas em idioma inventado cujo forma são vocalisações desconexas que buscam elevar a voz humana em uma musicalidade de instrumento. Afinal, cordas vocais são instrumentos orgânicos, certo? Então, voltando ao encarte... você encontra as páginas em branco para que você possa escrever suas próprias interpretações das letras (dúvido que alguém tenha riscado seu álbum). Você pode até mesmo nomear as músicas, uma vez que elas não têm nomes.



Os caras da banda até criaram nomes para as músicas, no intuito de conseguirem se referir a eles ou de listarem em seu set list, mas oficialmente, para o lançamento ou encarte do disco, as músicas eram apenas conhecidas como "Untitled 1", "Untitled 2", "Untitled 3", "Untitled 4", "Untitled 5", "Untitled 6", "Untitled 7" e "Untitled 8". Eles até lançaram um single para a primeira faixa, que por não ter nome algum indicado em seu encarte, também, ficou conhecido apenas como "Untitled 1", claro. O single contava com mais três faixas, que alguns chamam de "Untitled 9A", "Untitled 9B" e "Untitled 9C", ou "Track 2", "Track 3" e "Track 4". O single ainda contava com um dvd contendo os então três video clipes da banda (sendo dois do primeiro álbum e um de "Untitled 1"). Mas, antes que se desesperar, é bom saber que os apelidos das músicas foram oficializados com o lançamento em 2007 do ep "Hvarf/Heim" e do filme "Heima", que documentaram apresentações da banda (algumas acústicas).



Que nomes são esses? Bem, respectivamente são "Vaka" (nome da filha do Orri), "Fyrsta" ("primeira canção"), "Samskeyti" ("fixar", uma vez que essa única música sem vocal liga a segunda com a quarta), "Njósnavélin" ("máquina espiã" ou "canção do nada", que poderia ter sido o single desse álbum), "Álafoss" (o nome do pântano onde se situa a fazenda de Orri onde a banda usou uma piscina abandonada como estúdio), "E-bow" ("arco elétrico", já que Goggi usa um arco de cello em seu baixo, nessa música), "Dauðalagið" ("canção da morte") e "Popplagið" ("canção pop", a grande favorita para encerrar os shows da banda). Além disso, se os três lados b do single forem unidos, teremos uma nona música chamada "Smáskífa" ("single"). Essa música, na verdade, começou como um remix de "Vaka", mas começou a ficar tão diferente que ganhou uma cara própria. Um detalhe é que ao invés de "Vaka", a primeira faixa do "( )" era para ser "Salka" (que só foi lançada em 2007, no "Hvarf/Heim", levando o nome da enteada de Orri).



Agora, se você acha que s títulos das músicas podem inspirar algo sobre seu conteúdo, está enganado. A própria banda deu nomes mais genéricos com o intuito de desvincular qualquer imagem pré-concebida. Talvez por essa mesma razão, na época do lançamento a crítica ficou meio confusa (apesar de elogiar fortemente o trabalho). A única referência que podemos fazer sobre as músicas é com as imagens da capa do single (que são baseadas nas imagens do premiado video clipe, dirigido pela excelente e famosa Flora Sigismundi): crianças dançando com máscaras de gás em um mundo de céu vermelho e cinzas e fuligens caindo como neve. Parece triste? Acaba pior, com a morte de uma delas (que alguns dizem ser a verdadeira Vaka, que também empresta sua voz par alguns efeitos sonoros da música).



Com tudo isso em mente, fica tentador e ao mesmo tempo árduo tentar decifrar esse notável terceiro trabalho do Sigur Rós. Se você quiser uma ajudinha, fica uma dica: "( )" significa "uma metade, un intervalo e outra metade". Duvida? O disco mostra quatro músicas alegres e leves, seguidas de um intervalo mudo de 36 segundos, para chegar a mais quatro músicas pesadas e tristes. Se isso não fizer do "( )"o "White album" do Sigur Rós, não sei o que fará. Penso até que o título de "Pulsar" pode ser um referência ao "Pulse". Por que não? Nesse universo imenso de páginas em branco e palavras sem sentido, vale tudo, até bonecos (de neve) feitos de cinzas...



27 novembro 2008

Kjarri: a voz do Sigur Rós


Kjartan Sveinsson nasceu em 2 de janeiro de 1978 em Reykajvík, na Islândia. Em 1990 ele já tocava com Jón Þór Birgisson numa banda hyppie-punk chamada 'Beespiders'. Mas foi só em 1998 que ele entrou para o Sigur Rós. De lá para cá, casou-se com Maria Huld Markan Sigfúsdóttir (vilonista do Amiina, o quarteto de cordas que acompanha a banda) em 2001, compôs a trilha sonora de curta metragem "The last farm" em 2004 e, no mesmo ano, partiu numa breve turnê solo pela Islândia, tocando e cantando músicas do Sigur Rós em uma versão acústica em um projeto chamado 'Lonesome traveller'.

Kjartan (também conhecido como Kjarri) tem formação acadêmica em música erudita. Sua formação inclui conservatórios, faculdades e estudos em pós-graduação. Ele toca piano, orgão, contrabaixo, cello, violino, flauta, oboé, clarinete, banjo e alaúde. Para se ter uma idéia melhor, ele é quem compõe todos os arranjos de cordas para as músicas do Sigur Rós (tanto "Starálfur", " Viðrar vel til loftárása", "Olsen Olsen" e "Hoppípolla", por exemplo, que são executadas pelo Amiina, como também "Ára bátur" que é executa pela orquestrada sinfônica de Lonres). Os arranjos de metais de sopro de músicas como "Ný batterí", "Sé lest" e "Inné mér syngur vitleysingur" também são de sua autoria.

Notou alguma coisa curiosa na listagem de músicas? Bem, todas são posteriors ao lançamento de "Ágætis byrjun" em 1999. Tudo bem que não listei nenhuma música do "( )", de 2002 (embora ele tenha arranjos de cordas também compostos por Kjarri, eles são menos evidentes nesse trabalho, e não servem tão bem para o que quero ilustrar). Por que isso? Bem, tudo começa em 1994, quando Jonsi, August e Goggi se juntaram e formaram uma banda que levaria o nome da irmã recém nascida do vocalista partido ao meio ('Sigurrós', um nome razoavelmente típico na Islândia que significa "rosa vencedora", "victory rose" em inglês, que foi o primeiro nome da banda). Com a pretensão de soar como algo entre Iron Maiden e Smashing Pumpkins, a banda se trancou por dois em um estúdio e saiu de lá com um álbum ainda feito às pressas.

"Von" saiu em 1997 e fez um pequeno sucesso comercial e de críticas na sua terra natal. Mas não agradou nem um pouco aos membros da banda. Músicas sombrias (ora tristes, ora pesadas) era tocadas apenas com guitarra, baixo e bateria, de forma quase rudimentar e não tanto criativa. A complexidade e o tamanho do álbum se davam mais pelas experimentaçãos mal direcionadas entre ruídos e distorções. Músicas como "Leit að lífi" não chegaram a ficar prontas e "Hafssól" não se parecia nem um pouco com o que os caras imaginavam (em um f uturo post eu falo mais sobre isso, sobre "( )" e sobre o que a banda fez antes de "Von"). Essa foi a razão para que no ano seguinte a banda lançasse uma versão de remixes do "Von" (incluindo a versão finalizada de "Leit að lífi"). O nome desse álbum era um trocadilho com "Von" que significava "Decepção".

Decepcionados e desesperançados ("Von" significa "esperança") a banda pensou em parar com a idéia de música e cada um seguir sua carreira de jogador de futebol, marceneiro e qualquer outra coisa. Mas então, eis que surge Kjarri, um velho amigo dos caras. Ele se mostra interessado no som do Sigur Rós e acredita que pode fazer mais ainda, levando a música em uma nova direção. Os quatro (agora) se juntam em estúdio e compõe a música "Ágætis byrjun". Jonsi percebeu que havia uma nítida diferença entre as músicas anteriores e essa nova. Ele se animou com o resultado e com evolução de qualidade que a nova parceiria alcançou. Decidiram, então, compor e gravar um novo disco. Em um ano, eles não só compuseram todas as músicas para um novo trabalho como houve uma sobra de estúdio que seria utilizada ainda em singles futuros álbuns (são dessa época "Nýja lagið", "Untitled 2", "Untitled 4", "Untitled 8", "Milanó", "Gong", "Salka", "Hljómalind" e "Í gær").

Como se pode perceber, independente das orquestrações, as músicas do Sigur Rós que surgirão depois da entrada de Kjarri ganharam uma nova força e uma nova face. A voz da banda soou diferente, mas limpa, mais clara, com ritmos definidos e marcantes, bom uso da bateria e das guitarras e a presença belíssima de um piano. A corda vocal pode ter sido trazida por Jonsi, mas que a verdade seja dita: a voz do Sigur Rós que nós chamamos de genial só pode ter vindo de Kjartan.

24 novembro 2008

Uma sugestão de ordem de leituras



Em, 2002 eu fundei um grupo no Yahoo! Chama-se "Culto Lovecraftiano" e era voltado para as obras do escritor Howard Phillip Lovecraft (1890 - 1937, Providence, Rhode Island), ou mais conhecido como H. P. Lovecraft. Lovecraft foi um escritor de terror que praticamente redefiniu o gênero ao adcionar elemntos nunca antes vistos. Assim surgia o horror cósmico (cujos filhos deste são August Derleth, Stephen King e outros). Mas, o que é horror cósmico? Pense em dosagens de raças alienígenas, civilizações antigas e deuses imensos e cruéis habitando nossos oceanos... Parece loucura? Parece que não nos resta chance? Para maiores informações, dou abaixo uma sugestão de ordem de leitura dos trabalhos do Lovecraft.


Como surgiu essa lista? Sabemos que Lovecraft escreveu quase duzentas obras entre poesias, ensaios e contos. Muitos desses contos foram (em especial os da juventude) foram destruídos com fogo e outros foram esquecidos. Dos 110 que restaram, apenas 72 foram traduzidos para o português (embora muitos estejam em edições esgotadas). por essa razão, elaborei a seguinte sugestão de ordem de leitura. Ela não segue uma ordem necessariamente cronológica (interna ou externa), embora eu esbarre nela, algumas vezes. Os contos de Lovecraft podem ser lidos de forma independentes, embora alguns personagens, coisas, lugares e eventos sejam citados em outros contos.


Assim sendo, tentei listar os contos que ainda podem ser encontrados e os coloquei numa ordem que aos poucos façam com que o leitor vá se aprofundando nos ciclos e complexidades do universo de Lovecraft, conforme procuro explicar ao longo da listagem. Na frente de cada conto há uma sigla indicando a qual livro pertence (conferir na legenda, abaixo) e a qual ciclo. Todas essas edições foram publicadas pela editora Illuminuras.


*Legenda - K - À procura de Kadath
S - A maldição de Sarnath
ML - Nas montanhas da loucura
RH - O horror em red Hook
CC - A cor que caiu do céu
D - Dagon


1- Ciclo dos Mitos de Cthulhu
2- Ciclo das Terras dos Sonhos
3- Ciclo de Ficção Científica
4- Ciclo de Terror


*


Uma vez que Lovecraft se identificava com um de seus personagens (Randolph Carter, o único protagonista recorrente), uma boa pedida é ir acompanhando como esse personagem entra aos poucos na loucura do horror cósmico, nos contos:
"O depoimento de Randolph Carter" (ML, 1)
"O inominável" (D, 1)
"À procura de Kadath" (K, 1&2)
"A chave de prata" (K, 2)
"Através dos portais da chave de prata" (K, 2)
A leitura do conto "Procura de Kadath" pode deixar o leitor confuso, já que além da transição dos Mitos de Cthulhu para as Terras dos Sonhos, há uma infindável referência de criaturas, lugares, histórias e pessoas das Terras dos Sonhos. Portanto, recomendo que a leitura prossiga mergulhando nas referências encontradas no conto:
"Celephais" (K, 2)
"Os outros deuses" (S, 2)
"Os gatos de Ulthar" (S, 2)
"Nyarlathotep" (S, 2)
"A procura de Iranon" (S, 2)
"A maldição de Sarnath" (S, 2)
Conhecendo uma quantidade boa sobre a Terra dos Sonhos, e entrando em contato com os deuses antigos, talvez seja hora de conhecer mais sobre os mitos de Cthulhu. Para isso, a melhor forma é pelas poucas, boas e longas novelas de Lovecraft, que explicam bem detalhadamente sobre a relação e história desses deuses e tomos proibidos:
"A sombra sobre Innsmouth" (D, 1)
"O horror de Dunwich" (CC, 1)
"Nas montanhas da loucura" (ML, 1)
Depois disso, sugiro cair de cabeça nos contos, que são mais fáceis de ler e exigem menos conhecimento prévio do que os que você teram. São eles:
"O chamado de Cthulhu" (RH, 1)
"A cidade sem nome" (S, 1)
"O assombro das trevas" (RH, 1)
"A coisa na soleira da porta" (RH, 1)
"Os sonhos na casa das bruxas" (ML, 4)
"A gravura na casa" (RH, 4)
"O horror em Red Hook" (RH, 1)
"O rastejante caos" (S, 1)
"O festival" (S, 1)
E continue com outros contos de terror, levemente relacionados aos mitos de Cthulhu. Como:
"O modelo de Pickman" (RH, 4)
"A tumba" (S, 4)
"Além da barreira do sono" (S, 3)
"Do além" (S, 3)
"O sabujo" (RH, 4)
"Herbert West - Reanimador" (RH, 4)
"Arthur Jermyn" (D, 4)
"Os ratos nas paredes" (CC, 4)
"A cor que caiu do céu" (CC, 3)
Acredito, que depois de ler "A cor que caiu do céu" você desejará conhecer mais obras de ficção científica de Lovecraft. Então, é a hora de seguir para os contos:
"A sombra fora do tempo" (CC, 3)
"Nas muralhas de Eryx" (S, 3)
A partir disso, procure os seguintes contos, em qualquer ordem:
"O que vem com a lua" (S, 4)
"Hypnos" (S, 2)
"Encerrado com os faraós" (S, 4)
"A casa abandonada" (ML, 4)
"A nau branca" (K, 2)
"A estranha casa entre as brumas" (K, 2)
"Ar frio" (RH, 4)
"Ele" (CC, 4)
"O alquimista" (CC, 4)
"A fera na caverna" (CC, 4)
"A rua" (CC, 4)
"O ministro maligno" (CC, 4)
"Dagon" (D, 1)
Acredito que depois de tudo isso, vocês já terão conhecimento mais do que o suficiente para decidir o que ler, o que reler e o que não ler. Divirtam-se. Quase tudo o que realmente importa está nesta lista.

16 novembro 2008

A viagem de Earendil e o nascimento de Arda pelos versos


Na infância de Tolkien, os nomes dos trens eram em galês antigo. Aquela língua o encantou. E continuou encantando até que, casualmente, comprou um livro em inglês arcaico (ou gótico). Foi um amor instantâneo pelo som daquelas misteriosas palavras que despertaram seu futuro como filólogo. Através desse estudo de línguas, conheceu poemas em línguas antigas e acabou travando contato com obras como “Beowulf”, “Sir Gawain and the Green Knight”, “Sir Orpheu” e “Pearl”. Também travou contato com os Eddas (da Islândia) e com o Kalevala (da Finlândia). Foi com um parco contato com a língua finlandesa que decidiu inventar sua própria língua. Foi com os mitos finlandeses que decidiu contar a história de Turin Turambar (uma versão do mito de Kulervo).
Além de Kulervo, decidiu contar a clássica história da Humanidade em que os deuses punem um povo superior por sua arrogância e audácia, afundando a ilha em que moram. Tolkien costumava ser assombrado pelos pesadelos com Atlântida em muitas noites (assim como o medo de aranhas desde que uma caranguejeira subiu em seu berço). Assim nascia a história da queda de Gondolin. E apesar dessa história, junto com a de Turin, ter sido a primeira lenda imaginada para compor sua obra (então o “Book of lost tales”, que viria a ser conhecido como “Silmarillion”), ela se situava ao final da epopéia.
A obra que se situaria no centro de todos os eventos, era sobre Lúthin Tinúviel e Beren o maneta. Esta história surgiu do amor de Tolkien por sua mulher Edith. Eles freqüentavam um parque cujos caminhos eram ladeados por árvores. Tolkien ria de alegria ao ver a graciosidade com a qual Edith dançava e cantava, assim como Beren (um humano) se apaixonou pela comprometida princesa élfica Lúthien ao vê-la cantar e dançar. Tolkien também escrevera um poema sobre isso, chamado “Goblin’s feet”.
E os poemas foram as bases para a obra de Tolkien e o nascimento da Terra-Média. A queda de Gondolin teve mais de 2000 versos antes de ser bruscamente interrompido. A balada de Beren e Lúthien (ou “Leithian”) teve quase 4000 versos sem nem ter chegado à sua metade. Esses e outros versos podem ser conferidos no terceiro volume da série HoME (comentada em um post anterior): “Lays of Beleriand”. Vocês também podem encontrar trechos deles no “Senhor dos Anéis” ou nas “Aventuras de Tom Bombadil”. Por exemplo, a canção que Bilbo sobre Earendil.
E foi a história e Earendil que poderia ter dado início a Terra-Média. De fato, a idéia de Tolkien de recontar a história mitológica da Grã-Bretanha se deu nas trincheiras da Primeira Guerra Mundial, por volta dos anos 1917 a 1919. Mas, antes disso, em 1914, quando Tolkien terminava seus estudos, se deparou com um grupo de poemas anglo-saxões chamados “Crist”, de um autor chamado Cynewulf. Dois versos da obra eram : “Eala Earendel engla beorhtast/ ofer middangeard monnum sended”, (“Salve, Earendel, mais brilhante dos anjos/ sobre a terra do meio mandado aos homens”).
Earendel era João Batista, de fato, mas também era um nome para a estrela do mar, a estrela da manhã: Vênus. E embora ainda não tivesse adotado nomes tirados da literatura islandesa para sua obra (pois sequer possuía uma obra), o nome terra do meio (‘Terra-Média’, ou “middangear”, “midgard”) o atraíra, também. Então, antes de adotar o nome de Earendil, Tolkien escreveu um poema sobre as viagens de Earendel em seu barco pelas estrelas: “The shores of Faery”. Nascia aí a Terra-Média, o Quenta Silmarillion e a Saga do Anel. Nascia sem ser planejado e antes da hora e Tolkien, como o pai, viria a ser o último a saber, claro. Nascia em versos, como Beleriand, Arda ou Valinor, nascia em versos como conta o "Silmarillion".

15 novembro 2008

"O Hobbit": livro problema (?)






Em mais um texto longo sobre algo relacionado a literatura (dessa vez sobre Tolkien, pra variar), resolvi falar tudo o que sempre achei sobre "O hobbit", o primeiro romance completo e publicado de Tolkien. O livro (que chegou ao Brasil só em 1997, mas existia em português desde 62), viu a luz das livrarias inglesas no dia 21 de Setembro de 1937 (equinócio de outono no hemisfério norte e de primavera no hemisfério sul). Coincidentemente, um dia antes do aniversário de Bilbo Baggins (protagonista do livro) e Frodo Baggins (sobrinho de Bilbo e protagonista de uma outra obra).
"O hobbit" conta a história de como o mago Gandalf (sim, aquele) convence o pacato hobbit Bilbo a se juntar em uma aventura com 13 anões (um deles é parente daquele tal Gimli). Sem entender muito bem do que se trata, Bilbo quebra os costumes do Condado (lar de muitos hobbits respeitáveis) e aceita o convite. Bilbo sabe que há algo sobre matar um dragão e recuperar um tesouro que ele roubou dos anões. Bilbo também sabe que se ele sobreviver e ele pode receber uma parte do ouro. Só. Ele não sabia que iria enfrentar trolls e orcs, ou se encontrar com elfos, ou se envolver num guerra entre povos.
Bilbo também não sabia que iria encontrar um anel mágico e lutar contra aranhas gigantes (coisa que seu sobrinho um dia faria, também, em uma outra obra). E é assim que Bilbo se encontra com o sábio Elrond meio-elfo em Valfenda, cruza as montanhas sombrias onde os anões ergueram uma tal de Minas Moria ou as Floresta das Trevas onde um tal de Legolas mora (assim como um Necromante conhecido como Sauron e seus nove cavaleiros negros, dentro de uma torre).
Vejam como toda a história de Bilbo iria levar até a história de Frodo, no "Senhor dos Anéis", certo? Errado (mais ou menos). A começar pelo Anel. É dito que Bilbo, por razão de uma esconhecida força maior, engana a criatura Gollum num antigo sagrado jogo de advinhas (tão respeitado e praticado pelos hobbits), ao que desperta a ira de Gollum. Depois de conseguir fugir das garras do adversário, é dito que Bilbo nada conta sobre seu recém adquirido objeto mágico para Gandalf ou para os seus companheiros anões.
E é aí que se encontra o grande problema. O primeiro deles, na verdade. Lembram que há pouco falei sobre Legolas, Moria e Sauron? Pois bem, nada disso é dito no livro. Apenas quando se lê o Senhor dos Anéis ou se estuda outros textos do Tolkien, é que sabemos sobre isso. Isso não é necessariamente um problema, calro, mas faz parte de um problema maior. "O hobbit" não se passa na Terra-Média. Pôlemico? Bem, quem afirma é o próprio Christopher Tolkien (filho do Homem e autor dos melhores estudos e compilações inéditas do pai).
Explico. "O hobbit" começou em fevereiro de 1930, quando Tolkien corrigia umas provas em Oxford. Um de seus alunos entregou-lhe uma página em branco e Tolkien aproveitou para rascunhar uma frase que estava em sua cabeça desde manhã: "Num buraco no chão vivia um hobbit...". E Tolkien quis saber o que era um hobbit. Para responder a essa pergunta, pelos próximos 4 anos contou as aventuras de Bilbo Baggins para entreter seus filhos e sua esposa nas noites frias e desocupadas. O então pequeno Christopher achava que o pai devia escrever tudo aquilo para não se esquecer. E assim, durante mais 2 anos, tolkien escreveu "O hobbit, ou: lá e de volta outra vez", com nomes, eventos e humors retirados da cultura islandesa.
No ano seguinte, por insistência do amigo C. S. Lewis (o criador de Nárnia), Tolkien mandou o manuscrito para uma editora (Harper-Collins) e publicou sua primeira obra. Tratava-se de uma obra infantil de fantasia, um conto de fadas. Isolada de todas as outras criações, Tolkien apenas salpicou alguns elementos de sua obra principal no "Hobbit". (Devo lembrar-lhes que a orba principal a qual me refiro é "O Silmarillion", conforme expliquei em um post anterior; uma obra que tentaria criar toda uma mitologia para a Inglaterra e consequentemente para os Dias Antigos do mundo todo).
Assim sendo, no "Hobbit", Tolkien citou os Alto-Elfos (Noldor), o Necromante (Sauron), Azog (o capitão orc que destruiu Moria), Elrond e, principalmente, a Pedra Arken: o tesouro mais cobiçado pelos anões (Pedra Arken em inglês antigo é Eorclastnas, um dos nomes que Tolkien deu para as Silmarils, a peça fundamental na qual gira "O Silmarillion"). Então, quando os editores pediram que Tolkien escrevesse mais histórias sobre hobbits, uma vez que o publico pediria, ele resolveu continuar a história a partir desses elementos mais antigos.
Dessa forma, se "O Silmarillion" trata dos Primeiros Dias, "O senhor dos anéis" trata dos Últimos Dias. Um continuaria o outro (Tolkien até mesmo cogitou lançar os dois livos num volume só, mas os editores não quiseram arriscar e Tolkien não conseguiu acabar "O Silmarillion"). Agora, "o hobbit" fazia parte das histórias da Terra-Média, ams apenas como um prólogo que liga uma obra a outra.
Para tanto, Tolkien precisou fazer uma pequena modificação: como o Anel foi parar na mão de Bilbo. Ele não pretendia escrever histórias sobre a Segunda ou Terceira Eras da Terra-Média. Ele se quer cogitava a existência de tal coisa. "O Silmarillion" tratava sobre os dias antigos e só, nada mais. A idéia de continuar a mitologia (até o ponto em que chegou) veio com uma mudança de tom e sentido no "Hobbit". Quem leu (ou vier a ler) "O hobbit", perceberá como a narrativa é inffantile cheia de piadinhas bobas como a origem do golfe ou o pensamento de uma raposa ou as canções jocosas dos elfos. Mesmo a primeira parte do "Senhor dos Anéis" tem esse clima (exceto que os elfos não se embebedam na "Sociedade do Anel"). Conforme as coisas crescem e a ameaça se torna real, o humor das obras fica mais sombrio e sério.
Até no "Hobbit", quando uma batalha é travada por mesquinharia e personagens morrem. Mas, até esse momento, todo o livro deveria ser alegre e inocente. Deveria, mas não o é. Onde? No momento em que Bilbo se apossa no Anel. Por quê? Por que ali vemos a influência dos contos antigos da Primeira Era e os presságios de como acabarão a Terceira Era. Sauron age nas ganâncias de Bilbo e de Gollum. E como já devo ter dito, nem sempre foi assim.
Quando Tolkien releu "O hobbit" para um nova edição, antes do lançamento do "Senhor dos Anéis", ele precisou se conter para não reescrever o livro todo (para uma terceira edição em 47)! Por sorte, ele apenas modificou o capítulo 5, cuja idéia inicial era a seguinte: Bilbo, perdido na escuridão da caverna dos orcs, encontra a criatura Gollum, com quem joga advinhas para passar o tempo. Como Bilbo ganha honestamente no jogo, Gollum o leva até a saída da caverna e (pasmem!) lhe dá de presente um anel mágico que o deixa invisível. Bilbo se despede jurando visitar o novo amigo um dia...
Imagino que agora tudo começa a ficar claro. Quando Tolkien escreveu "O hobbit", ele não imaginava uma Guerra do Anel, um rei caído de Gondor, uma traição do Mago Branco ou uma partida dos elfos de volta para Valinor. Da mesma forma, quando Tolkien escreveu "O Senhor dos Anéis", ele não ligou muito para explicar sobre relógios, golfe, trolls falantes, elfos festeiros, gigantes de pedra, animais falantes, a Pedra Arken ou mesmo os próprios hobbits. Claro, que para ("quase") tudo isso foi encontrado uma solução. Mas, tais soluções é que geram tantos problemas.
E que problemas! A Terra-Média não tem gigantes, mas quem são aqueles gigantes de pedra? Alguns vão dizer que são as montanhas vistas contra uma tempestade, mas Tolkien lhes dá movimentos e feições. PODEM SER trolls, uma vez trolls que são corrupções de ents e ents PODEM TER SIDO chamados de gigantes verdes no início do "Senhor dos anéis". E, falando em trolls, os trolls falantes e pensantes no "Hobbit" PODEM SER olog-hai, ou meio-trolls. Entendem a dificuldade? E tem mais...
A pedra Arken não era uma Silmaril (ponto, não se discute mais). Assim como os elfos bebrem, cantarem e rirem demasiadamente se trata apenas de como Bilbo os interpretou ao escrever seu livro (uma solução simples: considere "O hobbit" e "O senhor dos anéis" como uma obra narrada por Bilbo, Frodo e Sam). E, falando nos hobbits, de onde eles vieram? Ah, DEVE TER SIDO uma transformação dos humanos que viviam as margens dos rios no norte.
Com tantas diferenças entre uma obra e outra, fica fácil entender por que muitos não consideram "O hobbit" como fazendo parte dos contos da Terra-Média. Agora, com basse nisso, é curioso pensar que o único livro sobre a Terra-Média escrito e completado pelo próprio punho do tolkien, espontâneamente (ou seja, sem cobrança ou pedido da editora e sem ser editado póstumamente) seja "O hobbit": o único livro de Tolkien sobre a Terra-Média que não trata sobre a Terra-Média em si, de verdade.
Para maiores esclarecimentos, consultem os dois volumes do "The history of the Hobbit" (1: Mr. Baggins & 2: Return to Bag-End) do autorJohn D. Rateliff. Esse livro foi publicado em junho de 2007, mas não chamou a atenção devido ao fato de que no mesmo ano o Christopher Tolkien editava uma obra inédita do pai ("Children of Húrin"). De qualquer forma, esse livro foi encomendado pelo próprio Christopher na década de 80. Naqueles tempos, Christopher estava ocupado coletando, editando e publicando a série "History of Middle-Earth" (conforme expliquei no outro post, uma série de trabalhos e versões abandonados por Tolkien) e ele considerava que os materiais a cerca do "Hobbit" não se encaixavam na série HoME. Antes do lançamento, contudo, Christopher verificou a aprovou todo o conteúdo de esboços, desenhos, rascunhos, notas, versões alternativas e extensões abandonadas do "Hobbit" contidas nos dois volumes de John D. Rateliff. E assim acaba, para quem conseguiu ler até aqui, esse tópico cheio de informações 'inúteis' mas de grande interesse para os admiradores da obra de Tolkien (assim imagino), pois "tudo está tão bem quando acaba melhor", de acordo com o senhor Bilbo.

14 novembro 2008

Tolkien e suas publicações: uma obra póstuma (?)


Nietzsche uma vez declarou considerar-se um autor póstumo. Dizia que sua obra seria lida e compreendida em um século e não enquanto fosse seu tempo de vida. Tinha razão parcial: hoje as pessoas o lêem e até o admiram, mas poucos o entendem de fato e não consigo compreender todo o respeito que recebe. Mas, enfim, não é sobre Nietzsch que quero falar.
Como muitos sabem, sou fã-paga-pau de muitas pessoas no mundo cultural. Mas, sou fã-especialista de poucas coisas nesse mesmo mundo cultural. Uma delas é Tolkien. Embora eu não manjo tanto de Tolkien como eu gostaria, ainda assim sei pesquisar muitas fontes dentro de sua obra. Por essa razão, quero falar sobre sua obra póstuma (alardeada, muitas vezes, como maior que sua obra em vida).
J. R. R. Tolkien nasceu na Africa do Sul em 1892, mas em poucos anos sua família voltou para a Inglaterra. Aapaixonado pelas antigas de seu país e pela "pobreza" (?) mitológica do passado de toda a Grã-Bretanha, decidiu construir canções e contos épicos para preencher essa lacuna. Claro que ele escreveu outras coisas, mas desde cedo seu foco foi o que viria a se tornar o medlo de fantasia medieval e uma das obras mais consumidas de todos os tempos.
Suas primeiras publicações, ainda no início da década de 10, foram alguns poemas não muito conhecidos ou importantes: "Battle of the Eastern Fields", "From the many-willow'd margin of the immemorial Thames", "Goblin feet" (para sua então namorada e futura esposa), "Happy Mariners", "The hoard"(numa versão em inglês arcaico), "City of gods", "The errantry", "Dragon's visit" e alguns outros. Muitos dessas obras foram compiladas no livro "As aventuras de Tom Bombadil", de 1962. Nesse livro, constam 16 poesias sobre a terra-média, supostamente compostas pelos hobbits Biblo Bolseiro, Frodo Bolseiro ou Sam Gamgee.
Esse "Aventuras de Tom Bombadil" (inédito no Brasil, mas em edição portuguesa desde a década de 80) veio para suprir a falta que o público sentia de mais eventos na terra-média. Tolkien e seus editores, prefeririam lançar o "Silmarillion", contando toda a história da criação do mundo e a primeira era do Sol, mas o livro nunca ficava pronto. Agora, perguntem-me, que falta é essa que o público sentia?
Em 1930, Tolkien começou a escrever o que se tornaria "O Hobbit", lançado sé em 1937. O livro infantil fez um estrondoso sucesso e a editora decidiu que Tolkien deveria continuar a narrar aventuras de hobbits na Terra-média. Assim, ele pensou e começou a escrever "O Retorno da Sombra", misturando hobbits com a mitologia que estava criando para a Inglaterra. Essa mitologia vinha sendo escrita desde 1914 com o título de "Book of Lost Tales". Tolkien terminou de escrevê-la em 1923, mas pensou que poderia melhorá-la e fazer dela um mitologia para os primeiros dias do mundo como um todo, e não do seu país. Dessa forma, todas as mitologias deveriam estar contidas ali, bem como todos os heróis e histórias. Por essa razão, tornou a reescrever tais contos, chamando-os de "Silmarillion".
"O retorno da Sombra" contaria a história de uma viagem de Bilbo Bolseiro em busca de mais dinheiro. Mas, espere, seu dinheiro não tinha acabdo! Ok, então, Bilbo viajaria pelo Grande Mar. Mas, por quê? Então, que tal se o Condado fosse atacada por um exército de dragões? Não ficaria bem, Tolkien precisava de outra história...
Foi então que se lembrou de haver altos-elfos no "Hobbit". E havia necromantes e jóias mágicas. E, o que mais aquele anel que Bilbo pegou de Gollum poderia fazer? Assim, "O Retorno das sombras"cresceu e mudou de nome. "O Senhor dos Anéis" tomaria rumos ainda muito diferentes. Gollum, de amigo passaria a vilão; os ents, de traidores passariam a amigos; Passolargo, de hobbit passaria a rei de Gondor, etc, etc etc...
"O senhor dos anéis" se tornou "A sociedade do anel", "A traição de Isengard" e "A guerra do anel", ops... tudo mudou mais uma vez até se tornar "A sociedade do anel", "As duas torres" e "O retorno do rei". E assim, em 1954, depois de quatro anos de seu término, a trilogia mais famosa da literatura foi publicada. Porém, e entre 1937 e 1954, o público abandonou a Terra-média?
Sim e não. A editora impaciente com a demora de tolkien em terminar a continuação do "Hobbit", comprou os direitos de outras obras infantis ou de fantasia de Tolkien: "Folha, de Niggle" (de 1945), "Mestre Giles de Ham" e "Ferreiro de Wooton Major" (ambos de 1949). Esses excelentes contos nada falam sobre a terra-média (talvez, os dois últimos, em especial o último, esbarre um pouco naquele universo), mas fizeram um sucesso relativo na época em que foram lançados permitindo que um livro infantil ilustrado fosse lançado: "Mr. Bliss" (igonarado por muitos fãs do autor, por se tratar de carros explodindo e asfixiando as pessoas em Oxford).
Se o "Silmarrilion já vinha sendo reescrito a partir da década de 20 até o início da década de 30, com a retomada de Tolkien ao universo do "Hobbit", era hora de começar a escrever pela terceira vez o corpo histórico da Terra-média (agora, sob o nome "Qenta noldorinwo"). Essa foi a única versão que Tolkien completou do "Silmarillion", mas ela só veria a luz décadas depois. Por que? Por que Tolkien, obsessivo e perfeccionista como era, se aprofundou mais uma vez dentro do mundo que desenvolveu e resolveu que "Senhor dos Anéis" continha ingongruências com o "Qenta noldorinwo". O que ele fez? Simples e óbvio: começou a reescever o "Silmarillion". Essa seria a quarta (!) e última vez.
Mas Tolkien simplesmente não conseguia chegar a um fim. As línguas do elfos mudavam, logo os nomes e as histórias dos nomes mudavam; mais histórias chegavam e precisavam ser incorporadas; os hobbits, magos, anéis e ents precisavam fazer parte daquele passado de alguma forma; toda a série de poesias sobre a Primeira Era precisava se tornar uma prosa coerente; as sagas da Segunda e da Terceira Era precisavam de espaços e motivos para acontecerem; etc, etc etc...
E Tolkien ainda tinha uma família, tinha um emprego, tinha amigos, tinha uma vida. Não podia só ficar escrevendo. Mesmo assim, ele escrevia sem parar. Escrevia ensaios sobre lembas, anais históricos da segunda era ou de Valinor, escrevia contos de viagens no tempo onde alguém via a queda de Númenor ou participava da última aliança entre homens e elfos contra Sauron, escrevia contos sobre os homens-selvagens da Terra-média, escrevia sobre os deuses ou a forma do mundo, escrevia sobre os Magos, escrevia sobre as viagens de Galadriel, etc etc etc... Até que, reuniu cinco contos que contava para seus filhos quando criança e publicou "Roverandom" (sobre um cachorro que viaha ao fundo do mar e à Lua). Também publicou críticas e ensaios sobre contos de fadas e narrativas épicas em versos. Publicou traduções de "Beowulf", "Sir Gawain" e "Beorthnoth". E ainda, em 1967, escreveu alguns textos para acompanhar o livro "Road goes ever on" de Donald Swann, com partituras musicando poemas do "Senhor dos Anéis".
Claro que Tolkien morreria sem acabar "O Silmarillion" em 1973. Também deixava inacabado outros contos e romances, como "The New Shadow" (continuando o "Senhor do Anéis"). Havia ainda "Tal-Emar", um romance sobre a segunda era, inacabado, bem como uma novelização do conto de Túrin Turambar, filho de Húrin.
E o que aconteceu com todo esse material? Para muitos, nunca exisitiu de fato (mas foram inventados pelo filho Christopher Tolkien). Para aqueles que leram a biografia de Tolkien e suas cartas, sabe-se que esse material ficava engavetado na garagem de sua casa na rua Sandfield Road, 66. Assim, em 1977, depois de anos ajudando seu pai e anos compilando suas notas espasras após a morte, Christopher Tolkien publicou "O Silmarillion". A obra estava completa e acertada (alguns pontos form resumidos por estarem incompletos, outros foram juntados com as versões antigas por estarem incoerentes). A obra estava completa (reafirmo): "O Hobbit", "O Senhor dos Anéis" e "O Silmarillion". Ou, em ordem cronológica, "O Silmarillion" (contando os primeiros dias do mundo), "O Hobbit" (fazendo um curioso interlúdio para) "O Senhor dos Anéis" (mostrando como acabava os tempos antigos de nosso mundo).
Depois disso, em 1981, Christopher mostraria ao mundo os "Contos Inacabados de Númenor e da Terra-Média", reunindo todos os ensaios, contos e versões que tolkien pretendia ter terminado enquanto em vida mas não terminou. Porém, ainda faltava algo, e de 1987 até 1999, a série "History of Middle-Earth" (ou HoME, para os íntimos) foi lançada em 12 volumes que revelava todo o processo de criação de Tolkien, bem como todas as versões de suas obras (incluindo os primeiros "Silmarillion"s, o que poderia ter sido o "Senhor dos Anéis" e contos e ensaios abandonados e inéditos, revelando muito do que poderia ter sido a segunda ou a quarta-era da Terra Média).
Bem, o texto é grande e findo aqui dizendo que Christopher ainda publicou o romance completo de Turin Turambar (sob o nome de "Filhos de Húrin", de 2006, ainda inédito no Brasil mas com edição portuguesa). Christopher ainda, diz que já encontrou pequenas anotações que não serviriam o suficiente para um "Contos Inacabados 2" ou HoME 13. Agora, ainda há quem não acredite ser tolkien o autor desses 15 livros póstumos. Entretanto, qualquer um que estude com cuidado o assunto e veja cartas e entrevistas de quando Tolkien estava vivo, sabe da realidade dessa obra póstuma (de fato, maior que a em vida). Além disso, se fosse uma invenção caça-níquel (como comumente se vê com outros autores), poderíamos dizer que Christopher a faz muito bem feita!

13 novembro 2008

As canções pop do Sigur Rós




Em 23 de Junho desse ano, as lojas virtuais e as lojas físicas de venda de CDs e vinis de grande parte do Hemisfério Norte receberam "Með suð í eyrum við spilum endalaust", o impronunciável álbum novo do Sigur Rós. Certo, minha cópia é japonesa, saiu dia 2 de Julho mais com uma faixa a mais: "Heima" (uma versão com letra daquela apresentada no filme de mesmo nome, de 2007).



Uma rápida explicação para quem está aqui mas ainda nada (ou quase nada) sabe sobre Sigur Rós: banda islandesa que surgiu em 1994 e gravou seu primeiro álbum completo em 1997. A característica mais marcante da banda é som por vezes alienígena. o vacalista canta em falsete em uma língua inventada enquanto arranha um arco de cello na guitarra distorcida. As música tem mais de 7 minutos e são lentas, com ocasionais explosões.



Agora, diante das informações do parágrafo acima, pergunto: você já ouviu eles tocando em alguma rádio? Talvez, seja 'sim', se você morar no Canadá, na Austrália, na Inglaterra ou na própria Islândia (principalmente). Mas, provavelmente será 'não', assim como é a minha e a de vários outros fãs que conheço. Acontece que esse impronunciável álbum novo teve uma recepção suspeita por parte dos fãs. Por quê? Porque era pop demais!



Aqueles apreciadores da dita música alternativa, por vezes se gabam de conhecer algo que ninguém mais conhece. O argumento é de que possuem o gosto mais refinado e sabem selecionar e escarafunchar melhor as Last.Fm e Amazons da vida. Então, se a banda cresce e se torna um pouco mais famosa, caí no desagrado desses fãs de outrora. Já vi isso acontecer com "Coldplay" (ninguém conhecia os caras na época do "Parachutes" e muita gente gostava, hoje é uma das bandas mais famosas do planeta e ninguém mais gosta). Pobre banda! Não podem ganhar dinheiro, mulheres (ou homens) e atenção.



Então, para os incautos, antes de falar sobre o que propõe o tópico, devo algumas explicações: um artista é um trabalhador. Ele não vive só de inspiração, ele estuda, se esforça e arrisca. Como qualquer trabalhador, ele quer ganhar um dinheiro e um reconhecimento pelo seu trabalho. Ele precisa comer e dormir, ele gosta de viajar e comprar livros, sua casa também precisa de papel higiênico e seu consorte gosta de ganhar pesentes de aniversário. Eles são pessoas, só (tudo) isso. Se um Thom Yorke da vida quiser ganhar mais publicidade com álbuns gratuitos e camapanhas ambientais ou se ele quiser gravar músicas com Bjork e Jack White, isso não significa que ele está se vendendo, nem que sua qualidade como músico diminuiu. Isso só significa que ele está tentando coisas novas e que ele quer dinheiro e reconhecimento por isso. Como eu ou você, aposto.



Por quê tudo isso? Simples. Esse novo e impronunciável álbum do Sigur Rós foi produzido por Flood (que também produziu álguns do U2, Smashing pumpkins, P J Harvey e outros) em parte em New York e em parte em Reykjavík (com apenas uma música gravada no Abbey Road, em Londres). Só isso já gerou um desconforto. Sigur Rós contratar um produtor que não seja Ken Thomas ou eles mesmos? Sigur Rós gravar fora da Islândia? Claro, houve aqueles mais espertos que pensaram que isso significava que a banda tinha mais recursos e um reputação melhor, o que permitia que eles acessacem um amparato tecnólogico mais eficiente para a gravação de maior qualidade.



Depois veio a notícia que quase todo o disco seria cantado em islandês (e não na língua inventada pelo vocalista Jonsi) e que haveria um música em inglês. Alvoroço geral. Como o Sigur Rós poderia gravr em inglês? Eles não são muito fluentes na língua e agora querem consquistar um público mais amplo numa jogada comercial? Confesso que eu, um amante de línguas, fiquei meio frustrado também. Mas, doce engano: qualquer que ouvir a música "All right" (décima primeira faixa do álbum) vai ficar se perguntando como aquilo pode ser inglês ou qualquer outra língua conhecida, hehehe.



Pois bem, não bastasse isso, no final de Maio e no início de Junho vieram as primeiras audições. A música "Gobbledigook" foi liberada gratuitamente para quem quisesse saber como soaria o novo travalhado da banda. Até então, o que nós fãs conseguíamos saber era que se trataria de um disco mais acústico, com ênfase nos violões, baterias e arranjos de corda, de certa forma semelhante ao último registro em estúdio da banda: o excelente EP "Hvarf/Heim" (que acompanhou o lançamento do documentário "Heima", sobre concertos da banda ao longo da Islândia, no verão de 2006).



"Hvarf/Heim" era um EP duplo. De um lado ("Hvarf" - "porto"ou "desaparecido") havia novas versões de músicas antigas ou nunca antes gravadas em estúdio. Do outro ("Heim" - "lar" ou "terra") havia versões acústicas e ao vivo do que se poderia chamar de 'sucessos' da banda. O que esperar de um álbum novo? Um retomada ao estilo que consagrou a banda no passado (coisa que não ocorreu com o quinto álbum, "Takk...", de 2005), porém um pouco mais agitado e ao mesmo tempo leve.



Com "Gobbledigook" o que foi ouvido? Uma música curta (3:05), com batidas rápidas e incasáveis, violões , palmas, coros de "la la las" e um ritmo quase tribal, quase hyppie. Pela primeira vez, diria alguém, você poderia usar Sigur Rós em uma festa! O que era quilo? Eu adorei, claro, tudo o que a banda faz me agrada. Mas, o som me agradou de verdade. A mim e a milhares de outros fãs pelo mundo. Ao mesmo tempo, muitos fãs brasileiros e estadosunidenses torceram o nariz. A afirmação era: o Sigur Rós se vendeu; música alegre é feito para vender, não é para gente inteligente.

E o clipe de "Gobbledigook", então? Era polêmico, com gente nua dançando e brincando em algum lugar bonito. Um clipe rápido, ao contrário das slow motions dos clipes anteriors (esses sim polêmicos e chamtivos, com crianças excepcionais, homossexualismo, catástrofes e idosos vândalos). O clipe se inspirava na controversa arte da capa do impronunciável álbum novo.

E foi assim que houve um êxodo. Sei que parece dramático de mais, mas vi surgirem grupos de ex-fãs do Sigur Rós, que renunciavam gostar da banda depois de um álbum tão 'acessível', como eles chamaram. Isso por que ninguém ainda havia ouvido o álbum todo. (Embora, devo dizer, que quando o álbum de fato chegou, a reação foi a mesma, afinal, metade do álbum possuía um ritmo frenético de músicas de bêbados em um acampamento).



Então, pergunto: qual o problema? O Sigur Rós não poderia querer ganhar dinheiro? Os caras não podem amadurecer e perceber que aquela sonoridade de 1999 não representa mais a mesma coisa ou os mesmos interesses que eles têm hoje? Renovar é um crime? Experimentar é um pecado? Entretanto, a resposta veio em uma reflexão mais simples... Alguém acha mesmo que um dia as rádios vão tocar músicas como "Gobbledigook"? Ora, penso que o dia em que isso acontecer, vai ser um sinal de as rádios estão abrindo suas mentes para novas opções e qualidades!



Também penso que qualquer um dos que reclamaram de "Gobbledigook", quando a ouvissem tocando numa rádio, aumentariam o volume, parariam o que estavam fazendo e iria cantar junto, bem alto. Sigur Rós assinou um contrato com um gravadora maior (a EMI) em 2000, depois do sucesso de "Ágætis byrjun". Dizem que eles até tiveram ofertas mais lucrativas, mas ainda assim eles escolheram a que permitia maior liberdade artística. Apesar disso, algumas de suas músicas circularam em filmes como "Vanilla sky" e séries como "CSI" ou "24 hours". Isso é ser pop!



Em 2002, quando o Sigur Rós lançou um disco chamado "( )" (sim, 'parênteses' ou 'o álbum sem nome'), fizeram uma verdaeira manobra comercial. O disco não teria nome, as músicas não teriam nome, tudo seria cantado no 'vonlenska' (a língua inventada mas que nada significa) e o encarte teria uma página em branco para cada música,d e forma que o comprador do álbum pudesse escrever suas próprias letras. Contudo, para orientação da banda que não queria ficar chamando suas músicas de "Untitled 1", ou "Track 3", ou ainda "#4", nomes foram dados (e depois oficializados com o lançamento de "Hvarf/Heim". E a última faixa do disco se chama "Popplagið", famosa em concertos da banda desde 1999. O título significa "canção popular". Isso é pop!



E ainda, nos primórdios da banda, depois de gravarem o primeiro álbum, "Von", insatisfeitos com o resultado, lançaram um álbum só com remixes do "Von". Isso é pop! Pop é compôr músicas populares (independentes de qual povo), canções que toquem as pessoas de alguma forma. "Ný batterí", por exemplo, segundo single da banda dentre vários, é muito executada por fãs e possui uma estrutura bem convencional para o rock, ou algo que o valha (assim como "Glósóli", "Hún Jörð", "Njosnávelin", "Gong", "Myrkur" e a própria "Ágætis byrjun"). "Hoppíppólla" é uma das músicas favoritas dos fãs (até tocou no meu casamento) e é extremamente alegre, clichê e rápida, tem sido veícula junto com propagandas ambientais e trailers (assim como "Starálfur"). Isso é pop!



Agora, uma banda que lança álbuns, singles, eps e documentários não está interessada em ganhar dinheiro ou chamar a atenção? Eles só querem mostrar a arte? E a vaidade, o luxo e o essêncial, onde ficam? Por favor! Qualquer um que escutar o impronunciável álbum novo do Sigur Rós vai perceber quão esquisito é aquele som e como não vai aparecer em rádio alguma tão cedo. Até lá, enquanto a banda continua no anonimato para a alegria dos fãs 'alternativos', ñão há previsão de lançamento do álbum por aqui ou de shows nesse continente. Isso é pop?