08 dezembro 2008

"Unfinished", "unpublished" e "unedited"






Quando "Os filhos de Húrin" saiu, em abril de 2007, houve muito furor por parte dos fãs de Tolkien. Enquanto alguns torciam o nariz alegando que aquele era mais um caça-níquel por parte de Christopher Tolkien, quase todos ficaram muito felizes por ter a oportunidade de ler um trabalho 'novo' de seu autor favorito. O argumento contra era que Christopher já havia sugado tudo o que podia do espólio do pai e não sabia mais o que inventar para arrecadar mais dinheiro dos fãss da Terra-Média e suas histórias. Ele já havia publicado os "Contos inacabados" (com trabalhos que Tolkien deixou por concluir, como o próprio nome indica) e as "History of Middle Earth" (ou "HoME"), uma série de 12 volumes com rascunhos e projetos abortados para os contos e livros da Terra-Média. Isso sem falar no próprio "Silmarillion", que foi concluído às pressas por Christopher e o amigo Guy Kay.



Enquanto no "Silmarillion", ficou claro que alguns materiais ficaram de fora por não estarem devidamente organizados e outros materiais foram rearranjados para ficarem coesos com o livro todo, os "Contos Inacabados de Númenor e da Terra-Média" mostraram a criação de Tolkien no estágio em que ficou parado, ou nas formas em que evoluiu. Isso foi fantástico pois, além de termos acesso a várias informações importantes a cerca da Terra-Média, também podíamos compreender como Tolkien trabalhava. E foi nesse livro que encontramos, logo no início, a "Narn i Hîn Húrin" (a "narrativa dos filhos de Húrin"). Vestígios de uma história que poderia ter sido muito mais longa e elaborada do que o capítulo "Túrin Turambar" que está na versão do "Silmarillion" publicado.



Ao longo de vários capítulos nos mais diferentes estágios de composição, conhecemos a história de como o humano Húrin é preso por Morgoth, inimigo dos elfos e do valar, e de como cresce e se aventura Túrin, seu filho, em uma vida cheia de desgraças que envolve furtos, assassinatos, maldições, incesto e uma violenta luta contra Glaurung, o primeiro dragão. Essa história estava quase pronta, Christopher mesmo afirma isso para justificar a ausência de alguns capítulos que, na verdaed, já estavam integrando o "Silmarillion". Dessa forma, quando "Os filhos de Húrin" foi anunciado e chegou as livrarias, o que encontramos não foi uma história inédita, mas toda a narrativa dos "Contos inacabados", mais alguns capítulos do "Silmarillion" e passagens das "HoME", organizada de forma coerente e contínua, como o livro que, de fato, poderia ter sido (e quase foi).



A emoção de ler a única história longa da Primeira Era se misturou com a emoção de ler um bom livro. O fascínio que esta mistura gerou, também gerou a pergunta: ainda veremos trabalhos 'inéditos' de Tolkien? A resposta seria, só Christopher sabe. Mas, podemos ter uma idéia do que não foi acabado, publicado ou editado... Por exemplo, desde quando Tolkien começou a criar sua mitologia para a Inglaterar (na época em que o "Silmarillion" se chamaria "Book of lost tales", na década de 1920), ele já afirmava que por toda a história da criação do mundo e da guerra das jóias entre elfos e orcs, haviam três importantes histórias a serem contadas. Três grandes contos daquele Primeira Era. Os contos eram: "Beren e Lúthien", "Filhos de Húrin" e "Queda de Gondolin".



Sobre "Os filhos de Húrin", sabemos que durante grande parte de sua vida ele desenvolveu a narrativa e que Christopher a compilou e organizou durante os últimos 30 anos. Isso tudo foi registrado emc artas, introduções de volumes publicados e entrevistas. Agora, e sobre os outros dois contos? "Beren e Lúthien" começou como um gigantesco poema que nunca foi terminado e que chegou a metade de seu tamanho, apenas. Porém, existem versões desse conto para o "Book of lost tales" (da década de 20), para o "Qenta Noldorinwa" (da década de 30), para o "Quenta Silmarillion" (da década de 60) e finalmente o "Silmarillion" (publicado em 1977), sem contar um outro poema publicado no "Senhor dos anéis". Portanto, considero que um estudo de todas essa versões, mais acréscimos de outros capítulos e passagens de Tolkien sobre aquele período histórico e geográfico, poderiam dar origem à um belo e longo conto a cerca do amor entre o humano Beren e a princesa elfa Lúthien, que juntos conseguem recuperar uma silmaril da coroa de Morgoth.



Claro que só esse conto não ocuparia tamanho suficiente para um livro, portanto, poderíamos acrescentar a "Queda de Gondolin" a esse projeto editorial. Talvez esse seja o conto que mais possua versões e que mais foi trabalhado por Tolkien. Além de ter sido escrito em diversos poemas (alguns ainda inéditos), ele também encontra versões em todas aquelas quatro tentativas de "Silmarillion" citadas acima, bem como versões contadas por diferentes pontos de vista e vários textos paralelos a esse evento, mas com profunda relação (tanto antes quanto depois da descoberta e destruição da cidade fortificada e escondida). Acrescenta-se a isso o conto inacabado "Da chegada de Tuor a Gondolin" (que entre os vários estágios de evolução, trata em detalhes sobre a queda da cidade) e pronto, teríamos um conto quase tão extenso quanto "Os filhos de Húrin". Claro, que Chritopher teria um grande trabalho para organizar e editar o texto de forma coerente e verossímil, mas não seria um trabalho impossível, com tantas referências e textos de apoio, já conhecidos pelos fãs.



Então, se temos dois grandes contos da Primeira Era juntos em um mesmo volume, por que não acrescentar o terceiro? Não, não estou me referindo a publicar "Os filhos de Húrin" mais uma vez, mas em acrescentar o conto "Wanderings of Húrin" (presente no volume XI das "HoME, "Morgoth's ring"), no qual Húrin é liberto doc aiveiro e vaga sem destino pelo mundo, até saber das tragédias de seu filho e sua filha, onde parte para se vingar o mal feito a eles. Embora esse seja o conto menos trabalhado e revisto por Tolkien, é um dos mais detalhados a cerca da Primeira Era. Se mais uma vez acrescentarmos passagens de outras fontes, teríamos aí mais um magnífico conto para integrar o volume.



Assim, já que não custa sonhar, meu livro dos sonhos receberia o pequeno título de "Livro dos três grandes contos perdidos da primeira era, ( ou: que não foram acabados, publicados e editados até os dias de hoje)" e poderia ser lençado a tempo de conseguir laçar o público que está se preparando para assistir o "Hobbit" no cinema. Ah, e como apêndice, poderíamos ter anexados os textos e frases de Tolkien que foram encontrados depois do término das "HoME" (como por exemplo o artigo sobre o poder subconsciente ou telepático dos elfos, ou a frase em que se afirma que elfos podem ter barba, o que justificaria a aparência de Círdan). Então, alguém se habilita a escrever essa idéia para a Tolkien enterprises ou para o próprio Christopher Tolkien? Contem com minha assinatura!

02 dezembro 2008

Susana e representação da liberdade sexual


Mais uma vez aqui, volto a argumentar qualquer coisa sobre Nárnia. Deve ser para encerrar alguma trilogia sobre o assunto, ou para fechar um ciclo a respeito desse meu súbito re-interesse no mundo de Nárnia. Sou fã da série desde 1999, quando li "A cadeira de prata"(é, li fora de ordem). De lá para cá, misteriosamente, cada vez mais a série de livros despertou meu interesse. Eu a conheci somo um consolo para apaixonados por Tolkien (nesse sentido me frustrei, pois uma série quase nada tem algo em haver com a outra), mas cativado pela escrita simples e personagens caricatos em um mundo paralelo e cristão. Parece hilário, mas esses elementos geralmente eu repugno. Mesmo assim, insisti e lutei contra meus temores, sendo afinal cativado por animais falantes.

Mas, o preconceito com Nárnia não foi só meu. Ao longo de todos esses anos (mais de meio século), a obra de C. S. Lewis foi acusada de racismo, machismo, intolerância religiosa e demais discriminações. Uma das principais delas é a questão da sexualidade. Tal teor, praticamente, é inexistente na obra (apesar da presença de faunos, ninfas e do próprio deus Baco) e parece ser rechaçado, de alguma forma sutil. A principal vítima disso tudo é Suzana Pevensie, a mais velha das irmãs e irmãos Pevensie (aquelas quatro crianças que visitam Nárnia no primeiro livro publicado da série, "O leão, a feiticeira e o guarda-roupa", mais tarde, elas são citadas no "Cavalo e seu menino", mas retornam em "Príncipe Caspian).

No último volume a ser publicado e, concomitantemente, o último volume da cronologia (apesar de ter sido o penúltimo livro da série a ser escrito), vemos toda a destruição de Nárnia por meteoros, serpentes gigantes, pragas e guerras. Após todo esse caos, vemos que vários habitantes de Nárnia, incuindo as crianças da Terra, são levadas por Aslam até seu reino, a verdadeira Nárnia. Claro que, obviamente, se trata do paraíso destinado àqueles que estão com cristo até os dias do juízo final. E, mesmo que nem todas as crianças estivessem lá, elas ainda assim chegam até a verdadeira Nárnia (sim, elas morrem em um acidente de trem e renascem para a vida eterna).

Então, ficamos sabendo que todos aqueles humanos terráqueos filhos de Adão e filhas de Eva que já estiveram em Nárnia, tiveram uma segunda e última chance de voltar para lá, mesmo que o prazo para isso já tivesse sido expirado (como é o caso do Pedro Pevensie, que já estivera em Nárnia antes de crescer, e de Lúcia Pevensie, que já estivera em Nárnia três vezes). Curiosamente, ninguém menciona que o tio André Ketterley também já fora para Nárnia e que, por alguma razão, ele não retornara para lá. A razão pode ser simples, dentre duas possibilidades: C. S. Lewis se esqueceu do detalhe que incluíra esse personagem em Nárnia no volume "O sobrinho do mago" que conta a história de Nárnia mas foi escrito após a última batalha, ou C. S. Lewis não quis valorizar o maligno personagem do feiticeiro que desperta Jadis e abre portais entre mundos através de um 'achado' anel atlante.

Partindo da segunda suposição, devemos interpretar que os maus não heradarão a terra de Nárnia, certo? Algo bem cristão, por assim dizer. Pois bem, acontece que Susana Pevensie também não é levada a Nárnia verdadeira. Ok, tudo bem, ela não morre e continua vivendo em Londres, mas é dito que ela cresceu, virou mulher adulta, se dedicou ao trabalho e a vida social, esquecendo-se de Nárnia como se sua viagem e seu reinado fossem apenas uma brincadeira confusa de sua criança. Agora, vamos refletir sobre isso... Susana foi duas vezes à Nárnia, foi rainha durante anos, conheceu o Papai Noel, conheceu Aslam, participou de guerras mesmo se recusando a matar alguém com o arco e as flechas que ganhara, possuía uma trombeta que foi responsável pela salvação de Nárnia na Guerra da Libertação ao lado de Caspian X contra seu tio Miraz. Como ela poderia ter se esquecido? E mesmo que ela tivesse se esquecido, como Aslam poderia ter se esquecido dela?

A solução que encontrei é triste, mas é possível. Susana foi a única a mostrar alguma paixão, um princípio de sentimento que envolve afeto, admiração e erotização. Fica claro e ao mesmo subentendido que ela nutriu algum interesse por Caspian, durante sua última visita à Nárnia. Ao que, logo após, nunca mais voltou para Nárnia. Susana estava crescendo em Nárnia, na verdade, aprendeu muito lá, passou por ritos de passagens muito simbólicos e importantes, para só depois retornar para a Terra com força o suficiente para se tornar mulher. Para quem leu meus posts anteriores, deve se lembrar que citei que achava que Susana faria diferença na "Última batalha", isso por quê acredito que Jadis reflete os mistérios de Susana e de todas as mulheres. A feiticeira branca, a feiticeira verde, a rainha das neves, a habitantae solitária da pétre Charn, é que revela os processos da terra e da noite. Processos esses que só conseguem ser representados por uma mulher.

Assim como Jadis, ao longo de todas as crônicas em Nárnia, mostrou questões de amadurecimento e de papéis sociais e fisiológicos que uma mulher desempenha ao longo de sua vida, também Susana vivencia e revela essa experiência de tornar-se mulher e abandonar um lado mais próximo das donzelas. Penso, portanto, que o que afastou Susana de voltar para a verdaeira Nárnia, sem pecado e sem passado, foi o fato de que Susana por si só abandonaria Aslam e aproximaria do culto a Jadis (culto esse que ela presenciou junto ao príncipe Caspian, deve-se dizer). E, se em um primeiro post falei sobre a religião (que funde mito e humanidade), pude falar sobre o mito no segundo post para culminar com a humanidade nesse terceiro post. A humanidade de Susana Pevensie, a personagem mais humana de Nárnia e uma excelente mulher de verdade, que não precisaria de Nárnia alguma para ser quem deve ter sido.

Inklings: da Terra-média para o espaço


Tolkien conheceu Jack em 11 de maio de 1926 em uma reunião da faculdade. Jack fora recém aceito na cadeira estudos lingüísticos da mesma. A amizade dos dois foi instantânea e, enquanto durou, foi forte. Tolkien influenciou Jack a conhecer a fé (conforme relata no poema “Mythopoeia”), a escrever livros de fantasia para crianças e a participar dos Inklings, uma sociedade de contistas, romancistas e poetas que, além de discutir suas obras ou obras importantes da literatura anglo-saxônica, eram bons amigos e confidentes, gostando de passar as noites de quarta-feira juntos, fumando cachimbo no Balliol College.
Tolkien já tivera outros grupos de estudo e apreciação de produções literárias (como o ‘koalbitters’, ‘mordedores de carvão’ em islandês, numa referência aos mineiros que passam as noites de frio junto ao fogo, contando histórias; ou a T.C.B.S.), mas nenhum grupo foi tão ilustre quanto os Inklings. Além de Tolkien e Jack, também participava desse grupo o fiel amigo de longa data de Tolkien: W. H. Auden, famoso poeta, importante crítico, influente editor e excelente autor.
Jack costumava chamar Tolkien de ‘Tollers’ (apelido que o acompanhava desde criança) e a proximidade entre os dois foi tão grande, que Jack foi um dos primeiros a apreciar a “Lay of Beren and Lúthien” e tantos outros aspectos do mundo que rondava as lendas sobre os elfos, as silmarils e os próprios Beren e Lúthien. Assim, em 1930, com os humores elevados por conta de vinho, Tolkien (ou Tollers) e Jack combinaram que cada um escreveria uma história de ficção científica que remontasse à descoberta do Mito. Tolkien (ou Tollers) escreveria sobre uma viagem no tempo, e Jack escreveria sobre uma viagem pelo espaço.
A história de Tolkien chamava-se “The lost Road” e nunca passou do terceiro capítulo (conforme se vê no quinto volume das HoME, chamado precisamente de “Lost Road and others tales”). O livro mostraria como o professor de línguas Alboin e seu filho, desenvolveriam sua relação até então tão distante, enquanto voltavam no tempo através de sonhos para desvendar um mistério que encontrara em sua biblioteca: uma estrada perdida que segue reta para fora do mundo até encontrar Atlântida, prestes a cair. Atlântida, na verdade, se chamava Númenor (alguém reconhece esse nome de algum lugar?).
Mais uma vez Tolkien impunha sua própria mitologia em obras que não se tratava da Terra-Média. Claro que devemos levar em conta que “O hobbit” e consequentemente “O senhor dos anéis” ainda não tinham nem sinais de existência, mas, ainda assim, elementos como elfos, Morgoth, Sauron, Valinor se faziam presentes durante os tempos de guerra que culminariam na destruição de Númenor por ondas gigantes enviadas pelos valar.
Sim, era um romance dos tempos do “Akallabêth”, o conto publicado no “Silmarillion” e citado no “Senhor dos anéis” a respeito da queda de Númenor ao final da segunda era. E este mesmo tema recorreu numa outra história inacabada (e publicada na nona HoME, “Sauron defetead”) chamada de “Notion club papers”, iniciada em 1945 sobre um grupo semelhante aos Inklings, próximo do final do século XX, que de alguma forma conseguem pistas sobre a corrupção dos homens e a queda Númenor durante tempos de guerra. Parte dessa segunda narrativa foi publicada em forma de versos sob o título de “Imram”, na “Time & Tide” em 1955, baseado nas lendas irlandesas de São Brandão, que chegou até um paraíso nos distantes mares do ocidente.
Jack, por sua vez, escreveu, terminou e publicou um livro sobre Elwin Ransom, que é levado até Marte no livro “Out of the silent planet”. Mais ainda, Jack escreveu uma continuação chamada “Perelandra” (sobre uma viagem do mesmo herói até Júpiter) cuja qual Tolkien (ou Tollers) gostou ainda mais do que da primeira. Entretanto, Tolkien abominou a terceira e última parte do que ficou conhecida como “trilogia espacial” (há anos no prelo de uma editora evangélica), chamada de “That hideous strength”, que culmina em uma viagem até Vênus.
O que é mais interessante nessa série de livros de ficção científica (os primeiros livros de Jack) foi que Tolkien (ou Tollers) encontrou alguns ecos de sua obra na obra do amigo (isso muito antes da amizade dos dois se romper devido a, possivelmente, inveja por parte de Tolkien para com o sucesso do amigo). O mito descoberto nas histórias de Jack era o mito de Adão, Eva e a ascenção e pecado da humanidade. Para tanto, referia-se a um paraíso nomeado como Numinor, onde um casal chamado Tor e Tinidril (Tuor e Idril, humano e elfa na “Queda de Gondlin”?) recebiam a visita de Elwin (variação lingüística e snonora de Aelfwine, “amigo dos elfos” e personagem central do então “Book of lost tales” a primeira versão escrita do “Silmarillion”).
Antes de concluir, é importante frisar que “Jack” era o apelido dado a Clive Staples Lewis, mais conhecido como C. S. Lewis, que quando escreveu o sexto volume das “Crônicas de Nárnia” em 1955, conhecido como “O sobrinho do mago” referiu-se a anéis vindo de Atlântida. Mais uma mera coincidência ecoando em sua obra ou mais mito revelado na história dos Inklings?

Tom Bombadil e o Homem-da-Lua


Muitas são as lendas, mitos e contos folclóricos a respeito da Lua. Só na Inlaterra, encontramos um fazendeiro que vive por lá, um cavaleiro matando um dragão e muitas outras. Tolkien, que tanto queria recriar a mitologia britânica, não deixou escapar a oportunidade e, por essa mesma razão, trouxe o homem da lua para seus contos. Não exatamente um homem... Tilion era um maia, um servo angelical dos valar. Era Tilion quem ocupava a vaga de timoneiro da embarcação ou da carruagem da Lua, sempre seguindo Árien, a navegadora do Sol. Tilion, apaixonado por Arien, seguia um curso instável quando renascia no leste depois de passar por baixo da terra, mas isso não vem ao caso.


Arien não só ocupava o brilho das antigas lâmpadas ou das árvores que foram destruídas por Melkor, no início dos tempos, antes dos homens nascere. Arien também foi a motivação para que um personagem folclórico surgisse na obra de Tolkein. Em toda a obra, literalmente. O Homem-da-Lua é um personagem recorrente que pertence a universo algum. Tanto habita a Terra-média como outras histórias sobre o nosso mundo, conforme veremos.


A primeira referência pode ser encontrada no "Senhor dos anéis", quando os hobbits cantam sobre ele no Pônei Saltitante, aquela estalagem em Bri. Aquelas mesmas canções, podems er encontradas no livro "As aventuras de Tom Bombadil". Lá, em dois poemas ambos atribuídos a Bilbo, ficamos sabendo como o Homem-da-Lua veste prata e de prata é sua barba e seu cabelo. De prata é a chava que abre as portas de marfim que leva até a escada que desce ora sobre um monte, ora sobre o mar. E o Homem-da-Lua, adornado com pedras preciosas sente falta de cores e de comida, mas costuma mesmo é descer cedo para beber da melhor cerveja, mas nunca no Yule (o natal, para quem ainda não sabe), pois ninguém lhe abre protas no frio. Sabe-se, também, que às vezes bebe demais e tem acordar muito cedo, de ressaca, apra voltar para Lua antes do dia nascer (o que uma vez acabou por deixar que uma vaca chegasse até a Lua).



Uma história tão hilária assim, não poderia ficar restrita a um livro adulto, como "O senhor dos anéis", portanto, não é de se espantar que o encontremos em "Roverandom", aquele livro que Tolkien escreveu apra seu filho Michael, quando este perdeu seu cachorro de brinquedo. O livro conta como um cachorro é transformado em brinquedo e acaba por viver grandes aventuras no fundo do amr e até na Lua, onde mora um dragão e um feiticeiro (que tem algo de Gandalf, assim como os outros feiticeiros da história). Mas, o mais curioso é que entre espinheiros e aranhas (em citações a Shakespeare e alguns contos de fadas), o cão Rover encontra um outro Rover (um cão-da-Lua) e o próprio Homem-da-Lua, que o ajuda a descer para o mar (uma vez que há um caminho que liga o mar até a Lua). E, se não bastasse isso, entre outras coisas, sabe-se como foguetes de festa escureceram a Lua e permitiram um eclipse (fato que, de fato, ocorreu enquanto Tolkien escrevia a história).


Qual a importância dese eclipse? Bem, nas "Letters from Father Christmas", o Homem-da-Lua desce para Terra por conta de uns foguetes que escureceram a Lua e permitiram o eclipse. Esse livro, na verdade, se trata de uma compilação de cartas que Tolkien escreveu para seus filhos por mais de vinte anos, como se fossem de autoria do Papai Noel. Um livro sensível e divertido, com várias histórias e ilustrações, que tem como personagens principais o Papai Noel, Polka um urso polar, orcs malignos e um elfo ajudante do Papai Noel chamado Ilbereth. Um nome muito semelhante a Elberteh, não é mesmo? Elbereth foi um dos nomes dado a Varda, uma vala cujo título significa "Rainha das estrelas".


E entre tantas referências que Tolkien fazia a Terra-Média em suas obras infantis, somos levados a esbarrar em poemas e brinquedos. Dessa forma, fica claro que o final dessa jornada seria Tom Bombadil, talvez o personagem mais enigmático do "Senhor dos anéis". Durante três apítulos do livro (que o próprio autor descreveu como fora do clima e da própria história), travamos contato com esse personagem brincalhão e alienado, que parece só querer cantar e conlher nenúfares para sua esposa (a também enigmáica Fruta D'ouro). Tranjando botas amrelas, jaqueta azul e um chapéu de abas largas com uma pena de ganso (vestimenta quase idêntica ao mago da areia Psmathos Psmathides, do "Rovernadom"), tudo o que ficamos sabendo sobre Tom Bombadil é que ele não é nem humano e tão pouco um hobbit. Pertence a raça alguma é o senhor da Floresta Velha. Por alguma razão, a guerra do Anel não o interessa e sequer Sauron ou o Anel surtem algum efeito mínimo sobre ele. Tom Bombadil está na Terra-Média desde o início e provavelmente será o último morrer, sendo, portanto, o mais velho (como o chamam os elfos).



Curioso por mais informações no intuito de descobrir quem, afinal, é Tom Bombadil, qualquer leitor pode procurar "As aventuras de Tom Bombadil". Entretanto, as divertidas poesias que se encontram lá, nada ou quase nada acrescentam para resolver o mistério. Na verdade, só ficamos mais curioso a respeito desse personagem que desafia os (possíveis) huorns que vivem em suas terras, bem como as aparições de príncipes Cardolans mortos e traidores, enterrados na COlina dos Túmulos, tão perto da Floresta Velha. Sabemos também como ele se encantou imediatamente pela Fruta D'Ouro e fez de tudo para consquistá-la e lhe dar um linda cerimonial e vida de casamento. E os dois parecem ser felizes juntos, principalmente quando sozinhos. Muito embora, Tom Bombadil, que canta sobre si mesmo, faça visitas a alguns amigos animais e ao fazendeiro Maggot (aquele mesmo que cria cogumelos e que perseguia Frodo quando criança). A dúvida a mais que surge é: o Rio é um homem ou uma mulher? Não fica claro em nenhum momento, mas muita coisa aponta as duas possibilidades. Sobre annimais falantes, isso pode ser visto no "Hobbit" e no próprio "Senhor dos anéis".



Então, como resolver Tom Bombadil? Tolkien já disse que ele não é um valar ou o próprio criador Eru Iluvatar. Ninguém mais ousa considerar a hipóteses metafísica de Tom Bombadil fosse o próprio Tolkien. Então, só nos resta fazer um resgat de como o personagem foi criado. E, mais uma vez, um brinquedo do filho Michael entra na história. Era um boneco holandês com uma pena no chapéu. Certa vez, o filho mais velho de Tolkien, John, por não gostar desse boneco, jogou-a na privada. mas, Tom Bombadil conseguiu ser salvo e se tornou o herói de uma história que iria encantar toda a família. A história se passava nos dias do Rei Bonhedig (que ninguém tem a menor idéia de quem seja) e... bem, a história acabava aí. Depos disso, Tom Bombadil virou o personagem de um poema ("As aventuras de Tom Bombadil") em 1932, anos antes de Tolkien pensar em escrever sobre hobbits ou anéis mágicos.



Entretanto, sem nenhum elemento da sua Terra-Média ou do seu "Silmarillion", Tolkien ofereceu os poemas e aventuras de Tom Bombadil (que iriam muito mais longe do que foi) como uma possível continuação para o "Hobbit", mas os editores não ficaram entusiasmados. Tolkien compreendia, assumindo que Tom Bombadil, na verdade, representava o espírito da região campestre de Oxford e Berkshire, que já haviam chego a sua ascensão e agora minguavam. De qualquer forma, aqui vemos, mais uma vez, como de fato Tom Bombadil era o senhor de um lugar e de um tempo, sendo o próprio lugar e o o próprio tempo, na verdade. Assim, Tom Bombadil é a Floresta Velha (enquanto Fruta D'Ouro é o rio Voltavime que cruza a floresta, da mesma forma que Caradhras, aquela montanha ranzinza que ataca a Sociedade do Anel).



Portanto, assim como Tolkien inseriu diversos elementos de sua mitologia particular nas suas obras paralelas (conforme apontei no tópico sobre o "Hobbit"), parece que ele também aproveitou e inseriu elementos d eoutras obras suas naquelas relativas a sua mitologia (conforme também se iniciou a discutir no post sobre o "Hobbit"). Então, entre brinquedos e histórias para família, entre folclore e poesias, a Terra-Média (e toda a obra de Tolkien) é constituída disto: de Tom Bombadil e de Homem-da-Lua.

29 novembro 2008

Uma história contada pelos perdedores









Muito há para se dizer sobre Nárnia. Podemos enumerar algumas curiosidades, ou podemos tratar de sua história e geopolítica. Podemos até refletir sobre suas influências, mas acredito que o que realmente é mais significativo na obra de C. S. Lewis seja o teor religioso presente em seus livros. O conteúdo cristão é tão presente, que se torna quase impossível pisar em Nárnia no cinema ou em casa e não perceber que Aslam é uma figuração de Jesus Cristo, as quatro crianças são como os quatro apóstolos evangelizadores e a Feiticeira Jadis como Satanás, por exemplo.







Mas, levando-se em conta que Lewis abandonou o ateísmo e se tornou evangélico graças a uma conversa com Tolkien (que na verdade era católico), ele não só recontou os mitos bíblicos como os recontou do ponto de vista dos ganhadores (como sempre aconteceu ao longo da história). Dessa forma, questiono: como seriam as "Crônicas de Nárnia" do ponto de vista dos pagãos que adoram o deus Baco, o deus Rio, as ninfas, os faunos e as profecias nas estrelas? O as guerras contra os narnianos e os arquelanos, do ponto de vista dos mouros idólatras da Calormânia? E ainda, como sobreviveram os cultuadores dos mistérios sombrios da demônia das neves chamada de Jadis? Sem contar os romanos conquistadores de terras e caçadores de cristãos que habitam Telmar.







Quando Lewis escreveu a primeira crônica em 1949, "O leão, a feiticeira e o guarda-roupa" de 1950, ele não pretendia fazer uma série de livros. Sua intensão era apenas fazer uma alegoria do evangelho para crianças, usando-se de mundos de fantasia. O nome surgiu de uma cidade italiana, mas também pode significar "contos profundos" em quênia, uma língua criada por Tolkien (que detestou o livro e quase convenceu Lewis do mesmo). Uma vez que já estamos em terreno italiano mesmo, Lewis resolveu se apoderar da mitologia greco-romana para povoar seu mundo com centauros, minotauros, faunos e ninfas. As crianças que visitaram Nárnia de fato visitaram sua casa durante a segunda guerra mundial, mas tinham outros nomes. Depois disso, foi só incluir um leão e uma feiticeira com nomes em persa (significando "leão" e "feiticeira").






Só no ano seguinte, quando Lewis deu início a um livro chamado "Return to Narnia" (mais tarde publicado como "Príncipe Caspian") é que uma série foi planejada. Foi o amigo Roger Lancelyn Green quem sugeriu chamar a série de "Crônicas de Nárnia" (uma sugestão muito bem aceita por Lewis). Assim, de 1950 até 1956, uma vez por ano as crianças eram presenteadas com algum livro novo sobre Nárnia e sobre Aslam (o único personagem que aparece em todas as histórias). Uma vez que a ordem publicada é diferente da ordem em que foram escritos, para explicar melhor meu ponto sobre as guerras santas de Nárnia, vou usar a ordem em que se desenvolve a história, ok?






De acordo com o "Sobrinho do mago", foi no ano 1 de Nárnia, quando Aslam criou todas as paisagens e habitantes daquele reino, que a feiticeira Jadis foi trazida de seu mundo de pedra chamado Charn através de anéis atlantes de alguns humanos da Terra (o professor Diggory). Até então, não havia religião alguma, apenas alguns deuses da terra e Aslam. Enquanto muitos habitantes pareciam apenas festejar e dançar com os deuses (como ocorre na tradições familiares pagãs da Itália) o culto de outros habitantes realmente passou a ser para com Aslam. Jadis ainda não desenpenhava nenhum papel importante nesse momento. Vemos aí que, se para os cristãos, esse livro trata da Criação, se ele tivesse sido escrito or pagãos, ele trataria daquele momento em que os imperadores cristãos de Roma permitiam cultos a Isis e Mitra em suas cidades, ou quando os druidas irlandeses toleravam as igrejas católicas que eram erguidas para adorar mais um outros deus. É um momento de paz e convivência como desejamos hoje.






Então o tempo passa, a Arquelândia é fundada, as Ilhas Solitárias são incorporadas a Nárnia e a rainha Jadis retorna em 898, para dar início ao longo inverno (que foi do ano 900 ao ano 1000, quando quatro crianças entraram por um guarda-roupa e se tornaram os reis de Nárnia). "O leão, a feiticeira e o guarda-roupa" se trata, na verdade, da morte e do renascimento de um deus. Para um cristão, essa é a palavra dos evangelhos, mas se a história tivesse sido contada pelos pagãos, provavelmente seria dito algo como: 'o inverno representa aquele período mítico em que a deusa (Jadis?) está enlutada pela morte de seu consorte (Aslam) ao mesmo tempo em que espera o nascimento de uma nova esperança em seu ventre (o Aslam reformado após a conversa e o sacrifício junto a Jadis), quando a primavera retorna, imitando os ciclos da terra das plantas que secam quando o sol se afasta e das flores que renascem quando o sol se fortalece'.





Uma nota rápida e importante, o monte de Aslam, onde magia antiga e profunda é feita, onde runas sobre uma mesa contam histórias de Nárnia e marcam a morte e o renascimento do grande leão Aslam, é chamado Arslan Tash ("leão de pedra" em turco). No nosso mundo real da Terra, esse lugar é um sítio arqueológico onde se investiga sobe Lillith, a primeira mulher anterior a Eva que mais tarde se tornou um demônio e a grande inspiração para Jadis. Curioso, não é? E questão dos nomes turcos voltará mais adiante, garanto.






Parece esquisito olhar sob essa ótica? Talvez não seja tanto se pensarmos que muitos mitos se repetem nas mais diversas culturas e que muitos costumes e símbolos foram incorporados pela Igreja Católica quando levou sua palavra a populações pagãs, obrigando-os a aceitarem-na como vedadeira. Esse momento histórico pode ser visto perfeitamente em "Príncipe Caspian", quando vemos Telmar tomando todas as terras de Nárnia e apagando as lendas narnianas (ou, Roma conquistando terrenos e convertendo todos os pagãos). Então, concluo que esse processo iniciado no ano 1, quando 'seguidores de Aslam' e 'seguidores dos deuses' conviviam juntos, chegou a um conflito no ano 1998, quando os 'seguidores de ninguém' caçaram e desmereceram os 'seguidores de Aslam e dos deus' (notem como em Nárnia havia uma integração do deus Aslam junto com os outros deuses da terra, semelhante a forma como os druidas se comportaram na Irlanda). Claro que o rei Caspian X mudaria o rumo dessa situação em 2303, mas algo muito interessante ocorre nessa época.






Durante a chamada "Guerra da libertação", Caspian X descobre que ainda existem lobisomens, feiticeiras e anões que cultuam Jadis. Não é interessante que Jadis tenha um culto? Não é interessante que seus cultuadores fossems eres deformados e habitantes do submundo? Vemos aqui, então, que "Príncipe Caspian" poderia ter sido contada por cristãos (como foi), por pagãos (como razoavelmente foi) e por satanistas (como Lewis jamais cogitaria). O satanismo é uma religião como qualquer outra e merece respeito e não estigma. Não vou entrar no mérito da questão de como é o satanismo real, mas em Nárnia podemos conjecturar algumas coisas.






O culto a Jadis, provavelmente, pregava o poder de realizar desejos e necessidades básicas, encarando todo ser como o animal que realmente é. Além disso, fica claro que os cultuadores de Jadis são aqueles que divinizaram uma figura histórica (tal qual os egípcios faziam). Mais ainda, os cultuadores de Jadis eram de alguma forma descriminados pela sociedade em que viviam e se recolhiam para os recônditos mais ermos do reino de Nárnia. Portanto, creio que se "Príncipe Caspian" fosse contata pelos maiores perdedores da história (mais do que os narnianos escondidos ou os telmarinos derrotados), veríamos uma história sobre grupos pequenos de excluídos tentando se aliar aos vizinhos anrnianos, enquanto encontravam uma forma de impedir o crescimento demasiado do império Telmar (em pleno auge de seu verão bélico) através do desvendamento dos mistério de Jadis: onde uma criatura pequena e mortal deixa sua existência de solidão e alcança glórias divinas.





Bem diferente do que lemos no livro ou vimos no filme, não é? Talvez Lewis tenha deixado essa margens interpretativas propositalmente, talvez não. O fato é que podemos entender qualquer história sob os mais diferentes pontos de vista. Claro, que em alguns momentos fica um pouco mais difícil enxergar Nárnia sem ser pelo cristianismo, por exemplo: "A viagem do Peregrino da Alvorada", no qual Lúcia, Edmundo e o primo Eustáquio viajam pelas Ilhas Solitárias ao lado do rei Caspian X e do rato solado Ripchip, 3 anos depois da Guerra da Libertação. Esse livro mal trata sobre conflitos religiosos, focando-se quase que unicamente no mistério do batismo e do sacrifício (de acordo com interpretações cristãs, é claro). Eu até poderia indicar como os ritos pagãos de apresentação de uma criança aos deuses ou os ritos de iniciação em um sacerdócio pagão se assemelham a essa realidade do batismo, mas seria chover no molhado e fugiria do tema. Além do fato de que já foi dito o quanto as religiões se misturaram e se assemelharam ao longo dos tempos. E, um último bom motivo para não se aprofundar nessa questão é que muito disso já pode ser entendido no culto a Jadis (está bem, eu assumo, li o livro há tanto tempo que mal me lembro dele).





A história continua com o casamento de Caspian X em 2310 e o desaparecimento de seu filho Rillian em 2345 (mesmo ano da morte de sua esposa). Mas é só 11 anos depois que os Filhos de Adão e as filhas de Eva (nomes dados as crianças terráqueas) voltam para Nárnia. Essa história é narrada em "A cadeira de prata" (que poderia ter sido chamada de "Terras desoladas e selvagens" ou "Sob Nárnia"), um dos poucos sem a participação de criança alguma Pevensie. E esse seria outro livro a tratar muito pouco sobre conflitos religiosos em Nánia se não fosse por alguns detalhes próximos da conclusão da aventura.





Apesar da personagem Jill se preocupar em achar os sinais que Aslam dá para ela (par encontrar e salvar o príncipe Rillian), o momento mais importante de toda a história é quando descobrimos através de gnomos que habitam o submundo de Nárnia (onde a noite é eterna e tudo é novidade) que há um Pai Tempo faminto girando as rodas do mundo. Nárnia será extinta (como se confirma mais adiante na série). Não bastasse essa figura saturnina de um Chronnos, somos apresentados a um Feiticeira Verde. Não são poucos os boatos e referências que sugerem que a Feiticeira Verde e a Feiticeira Branca sejam a mesma pessoa. Teria Jadis trocado as neves pelas festividades de outono (conforme se vê na "Cadeira de prata")? Jadis torna a habitar o submundo e as beiras do abismo, sendo seguida por criaturas desprezadas planeja atacar Nárnia por baixo. Tal qual Jadis já enfrentara outros reinos de homens, a Feiticeira Verde ludibria Rllian como um Satanás.





A Feiticeira Verde, figura que parece amar música e comida, veste as cores da primavera mas fala sobre o outono, estações que circulam ao redor do verão, quando o deus sol se mostra no ápice. Primavera e outono, respectivamente, também são estações destinadas as figura divinas das donzelas em flor da idade (quando sua sexualidade desabrocha e seu encanto se torna mais poderoso) ao mesmo tempo que os frutos nascem (como as donzelas que engravidam para se tornarem divindades maternas). Seria a presença do Pai Tempo um indicativo de mudanças? Afinal, primeiro houve a divindade rainha Jadis e depois a divindade donzela da Feiticeira Verde. A ordem das sazonalidades do mundo poderia estar invertida e esquisita devido a influência de Caspian e Rillian em Nárnia. Um mundo natural governado por homens foge ao controle e fica sob um controle não-natural, muitas vezes. Não é à toa que Nárnia iria acabar em breve: os cultos de outono ficavam guardados para populações escondidas em cavernas e florestas, enquanto o cristianismo de um império apra Aslam era clamado aos quatro cantos do reino.





Mais do que a vida do cristão semeando sua entrada no céu contra as tentações de Satanás, "A cadeira de prata" poderia se tratar de um apelo ambientalista as religiões que desconectam o home de sua natureza animal. A força do mundo é muito maior que qualquer coroa ou estandarte, Jadis mostrou isso uma vez e tentou mostrar de novo. Falhou. E assim chegamos aos momentos finais de Nárnia, como "A última abtalha" (também, o último livro a ser publicado na série).





Partindo as profecias bíblicas do apóstolo João na prisão, quando as religiões se unissem, esse seria o sinal de que o anticristo nasceu e que o mundo estaria perto de seu fim. Talvez, não tenha sido a toa que o criacionismo radical de Lewis tenha visto um macaco (o ancestral evolutivo do homem) como o papa negro que serviria como arauto da última batalha por Nárnia, quando a religião dos calormanos se uniria religião dos narnianos. É aqui que presenciamos Tash, o único oponente legítimo de Aslam. Em 2555, sob o reinado de Tirian, Manhoso (o macaco) propõe um culto unificado a Tashlam, marcando o início do fim previsto pelo Pai Tempo.





É importante notar que os calormanos já haviam sido explorados no livro "O cavalo e seu menino", o único inteiramente passado me Nárnia, no qual o menino Shasta foge da Calormânia rumo a Nárnia, sempre sendo seguido por Aslam. Lá descobrimo que a Calormânia é como um império otomano, cujo símbolo é uma crescente e os governantes são sultões sob abóbadas e mesuitas, cercados por areia e calor, turbantes e túnicas, cimitarras e arabescos. Só assim podemos concluir que talvez a Calormânia seja islâmica. E uma vez que para muitos, o judaísmo, o islamismo e o cristianismo se trate da mesma religião cultuadora de um mesmo deus, Lewis poderia ter se sentido ofendido e observado aí um sinal do fim dos tempos, o apocalipse se aproximando na união dos ícones de Tash com Aslam. Mas, então, por que batizar o deus cristão com um nome turco?





Talvez, se a história fosse contada pelos calormanos, de fato Aslam e Tash seriam a mesma divindade, mas com símbolos e em culturas díspares. Talvez, assim como os turco-otomanos sincretizaram o cristianismo na península ibérica durante o século IX, os calormanos poderiam viver em paz regrada com os narnianos. Talvez os cavalos dos calormanos falassem e fosse respeitados, também. Nunca saberemos, pois Lewis não só acabou e reconstruiu o mundo de Nárnia nas terras de Aslam (o paraíso?) como contou toda essa história sob a ótica dos vencedores, como sempre acontece na história.




Penso que tudo teria sido diferente se Suzana tivesse participado desse último livro, mas isso fica para um outro post...

28 novembro 2008

O chamado de Dagão



"Call of Cthulhu" não só é o nome de um popular e maravilhoso RPG, como também o do conto mais famoso de Lovecraft. Aqui, pela primeira vez conhecemos o famoso grande deus antigo Cthulhu (tão importante em sua obra), como começamos a ver uma sistematização dos mitos que o envolvem. E Cthulhu não poderia ser descrito de outra forma além de uma gelatina de limão na forma de um gigante barrigudo, com cabeça de polvo, pata de vaca, asas de morcego e alguma coisa de elefante. Parece absurdo? Então, olhe a figura ao lado e leia o resto deste post. Tem muitos mais absurdos.




O primeiro deles, para os incautos, é que Cthulhu não é exatamente uma criação de Lovecraft (assim como alguns outros elementos de suas obras). Cthulhu, algumas vezes, pode ser identificado como Oannes ou Uan ou Adapa ou Abgallu, um deus fenício-babilônico metade homem e metade peixe enviado pelo Criador com o propósito de civilizar a humanidade. Mas, além dessa espécie de tritão, Cthulhu costuma (e deve) ser identificado com Dagon (ou Dagão, no nosso idioma). Dagão é um divindade semítica da agricultura e da pesca, adorado principalmente pelos filisteus em um templo na cidade de Ashdod. Como punição por idolatrar a imagem de dito demônio, Deus (aquele dos cristãos, sabe?) destruiu as pedras do lugar e mandou uma ifnestação de ratos e hemorróidas assolar a população.



Esta história sobre Dagão pode ser encontrada na "Bíblia Sagrada", nas passagens: Juízes 16:23, Samuel I 5: 2-7 e Crônicas I 10:10. Lá sabemos como Dagão enfrentou Sansão. Mas, essa não é a única passagem literária na vida desse deus que é ao mesmo tempo cria, servo e o próprio Cthulhu. Ele aparece brevemente como uma versão dos mitos medievais sobre o kraken em obras de lord Dunansy e do galês (adorado por Lovecraft) Arthur Machen, como uma espécie de Asmodai (deus da magia cerimonial) conhecido na obra como acqua hominis. Porém, as melhores referências sobre Dagão estão em Lovecraft mesmo. Nas contos "Dagon" e "Sombra sobre Innsmouth".



No primeiro deles, que leva o nome da divindade, somos confrontados com um sobrevivente de guerra que chega a uma ilha espanhola e literalmente dá de cara como um deus monstro saído do mar. Na outra (em formato de noveleta foi o primeiro e único livro de Lovecraft publicado em vida, sem contar os contos em revistas de ficção científica e horror, apesar do desagrado do autor com o ritmo dessa história) conhecemos um personagem que visita a estranha e assombrosa cidade de Innsmouth, que parece guardar um segredo sombrio em seu passado e em seus habitantes metal e fisicamente deformados. A história de suspense segue para um ritmo de pânico e medo quando é descoberta uma igreja chamada 'Ordem Esotérica de Dagon' (esse religião de fato passou a existir no final dos anos 60 e hoje possui templos e sacerdotes na América do Norte e em alguns outros pontos pelo globo). O clímax revelador e supreendente torna esse conto uma obra prima, que mais tarde foi transformado em filme pelo especialista em Lovecraft, Stuart Gordon ("Dagon, 2004").


Para quem quiser trocar sua pele por escamas, suas traquéias por guelras, seus membros por nadadeiras ou suas pálpebras e espaço entre os dedos por membranas, rezem para o pai Dagon e a mãe Hydra (aquela serpente grega, que dispensa mais apresentações, certo?). E torçam para que o todo poderoso Cthulhu atenda suas preces, tornando-o em um de seus Deep Ones (como são chamados os "seres das profundezas" que rezam na Esoteric Order of Dagon, E.O.D.). Dúvida que dê certo? Aguardem meu post sobre o "Necronomicon" ou tentem vocês mesmos em casa.

O "white album" do Sigur Rós






Em 1999, "Ágætis byrjun" fez um sucesso que a banda não esperava. Vendeu meio milhão de cópias no mundo todo. Isso em se tratando de um álbum todo cantado em islandês, com ilustrações feitas a caneta bic e um encarte colado a mão (nas primeiras impressões, claro). A sonoridade esquisita que foi definida como "canção pop do futuro mais esvoaçante e lenta", atingiu mais do que um público alvo. A banda que fizera um primeiro e obscuro álbum (fora de catálago por anos) mais voltado para a universalidade sonora, apresentava agora um segundo álbum mais voltado para os vulcões, geleiras, ventos e noites islandesas. Ainda assim, a situação se inverteu e o mundo se apaixonou pela recém descoberta da terra da Björk.




Com trilhas em filmes e cvideo clipes na tv, a expectativa por um novo álbum da banda era grande (provavelmente, ainda menor do que a da própria banda). Assim, durante poucas semanas de 2002, a banda entrou em estúdio sob a co-produção de Ken Thomas (ele tinha trabalhado com a banda no álbum anterior) e com a participação do quarteto de cordas Amiina (na época se chamava Amina, com um "i" só, antes de um processo de uma cantora de mesmo nome). O álbum ficou pronto rápido, sem muitas filtragens e polimentos, de acordo com o vocalista Jónsi. Muitas das músicas já vinham sendo experimentadas em shows (e até na trilha sonora do "Vanilla sky"). Ah, aquele também seria o primeiro álbum sob as baquetas do novo baterista: Orri Páll Dýrason. O antigo saíra para se dedicar a família e a fazenda logo depois da gravação do segundo álbum. A partir de então, essa seria a formação oficial do Sigur Rós (até os dias de hoje).




O resultado do álbum foi "( )". Quem conhece a banda sabe do que estou falando, quem não conhece não precisa se preocupar: o nome do álbum é justamente "( )". Sim, "parêntese aberto, espaço, parântese fechado". Claro, ao longo desses tempos, "( )" recebeu muitos nomes dos fãs que queriam se referir ao álbum em alguma conversa: "parênteses", "álbum branco", "pulsar" e, mais comumente até pelos membros da banda o "Svigaplatan" (ou, "álbum dos parêntes", menos curioso mas mais propício). E a estranhísse não acaba aí. A capa do disco (com 4 versões diferentes ao redor do mundo) era uma imagem indecisa e desfocada recortada no formato de dois parêntes. Simples, uma embalagem em plástico reciclado branco com dois sulcos levando o nome "( )"; dentro da embalagem a caixinha normal do cd com um encarte feito em papel vegetal estampado alguma imagem escura na frente. Assim, ao ter o cd em mãos, você só vê borrões pretos no formtao de dois parêntes. Não há nenhuma indicação do nome da banda, dos músicos, dos produtores, do estúdio e das músicas.




Não há nome das músicas? Sim. O encarte é constituído de 8 páginas em branco, cada uma para cada música. Como as músicas são cantadas em vonlenska (ou hopelandic), elas não possuem tradução ou significado. Está ficando mais difícil? Bem, explico: desdes os primeiros trabalhos da banda, algumas músicas são cantadas em idioma inventado cujo forma são vocalisações desconexas que buscam elevar a voz humana em uma musicalidade de instrumento. Afinal, cordas vocais são instrumentos orgânicos, certo? Então, voltando ao encarte... você encontra as páginas em branco para que você possa escrever suas próprias interpretações das letras (dúvido que alguém tenha riscado seu álbum). Você pode até mesmo nomear as músicas, uma vez que elas não têm nomes.



Os caras da banda até criaram nomes para as músicas, no intuito de conseguirem se referir a eles ou de listarem em seu set list, mas oficialmente, para o lançamento ou encarte do disco, as músicas eram apenas conhecidas como "Untitled 1", "Untitled 2", "Untitled 3", "Untitled 4", "Untitled 5", "Untitled 6", "Untitled 7" e "Untitled 8". Eles até lançaram um single para a primeira faixa, que por não ter nome algum indicado em seu encarte, também, ficou conhecido apenas como "Untitled 1", claro. O single contava com mais três faixas, que alguns chamam de "Untitled 9A", "Untitled 9B" e "Untitled 9C", ou "Track 2", "Track 3" e "Track 4". O single ainda contava com um dvd contendo os então três video clipes da banda (sendo dois do primeiro álbum e um de "Untitled 1"). Mas, antes que se desesperar, é bom saber que os apelidos das músicas foram oficializados com o lançamento em 2007 do ep "Hvarf/Heim" e do filme "Heima", que documentaram apresentações da banda (algumas acústicas).



Que nomes são esses? Bem, respectivamente são "Vaka" (nome da filha do Orri), "Fyrsta" ("primeira canção"), "Samskeyti" ("fixar", uma vez que essa única música sem vocal liga a segunda com a quarta), "Njósnavélin" ("máquina espiã" ou "canção do nada", que poderia ter sido o single desse álbum), "Álafoss" (o nome do pântano onde se situa a fazenda de Orri onde a banda usou uma piscina abandonada como estúdio), "E-bow" ("arco elétrico", já que Goggi usa um arco de cello em seu baixo, nessa música), "Dauðalagið" ("canção da morte") e "Popplagið" ("canção pop", a grande favorita para encerrar os shows da banda). Além disso, se os três lados b do single forem unidos, teremos uma nona música chamada "Smáskífa" ("single"). Essa música, na verdade, começou como um remix de "Vaka", mas começou a ficar tão diferente que ganhou uma cara própria. Um detalhe é que ao invés de "Vaka", a primeira faixa do "( )" era para ser "Salka" (que só foi lançada em 2007, no "Hvarf/Heim", levando o nome da enteada de Orri).



Agora, se você acha que s títulos das músicas podem inspirar algo sobre seu conteúdo, está enganado. A própria banda deu nomes mais genéricos com o intuito de desvincular qualquer imagem pré-concebida. Talvez por essa mesma razão, na época do lançamento a crítica ficou meio confusa (apesar de elogiar fortemente o trabalho). A única referência que podemos fazer sobre as músicas é com as imagens da capa do single (que são baseadas nas imagens do premiado video clipe, dirigido pela excelente e famosa Flora Sigismundi): crianças dançando com máscaras de gás em um mundo de céu vermelho e cinzas e fuligens caindo como neve. Parece triste? Acaba pior, com a morte de uma delas (que alguns dizem ser a verdadeira Vaka, que também empresta sua voz par alguns efeitos sonoros da música).



Com tudo isso em mente, fica tentador e ao mesmo tempo árduo tentar decifrar esse notável terceiro trabalho do Sigur Rós. Se você quiser uma ajudinha, fica uma dica: "( )" significa "uma metade, un intervalo e outra metade". Duvida? O disco mostra quatro músicas alegres e leves, seguidas de um intervalo mudo de 36 segundos, para chegar a mais quatro músicas pesadas e tristes. Se isso não fizer do "( )"o "White album" do Sigur Rós, não sei o que fará. Penso até que o título de "Pulsar" pode ser um referência ao "Pulse". Por que não? Nesse universo imenso de páginas em branco e palavras sem sentido, vale tudo, até bonecos (de neve) feitos de cinzas...



27 novembro 2008

Kjarri: a voz do Sigur Rós


Kjartan Sveinsson nasceu em 2 de janeiro de 1978 em Reykajvík, na Islândia. Em 1990 ele já tocava com Jón Þór Birgisson numa banda hyppie-punk chamada 'Beespiders'. Mas foi só em 1998 que ele entrou para o Sigur Rós. De lá para cá, casou-se com Maria Huld Markan Sigfúsdóttir (vilonista do Amiina, o quarteto de cordas que acompanha a banda) em 2001, compôs a trilha sonora de curta metragem "The last farm" em 2004 e, no mesmo ano, partiu numa breve turnê solo pela Islândia, tocando e cantando músicas do Sigur Rós em uma versão acústica em um projeto chamado 'Lonesome traveller'.

Kjartan (também conhecido como Kjarri) tem formação acadêmica em música erudita. Sua formação inclui conservatórios, faculdades e estudos em pós-graduação. Ele toca piano, orgão, contrabaixo, cello, violino, flauta, oboé, clarinete, banjo e alaúde. Para se ter uma idéia melhor, ele é quem compõe todos os arranjos de cordas para as músicas do Sigur Rós (tanto "Starálfur", " Viðrar vel til loftárása", "Olsen Olsen" e "Hoppípolla", por exemplo, que são executadas pelo Amiina, como também "Ára bátur" que é executa pela orquestrada sinfônica de Lonres). Os arranjos de metais de sopro de músicas como "Ný batterí", "Sé lest" e "Inné mér syngur vitleysingur" também são de sua autoria.

Notou alguma coisa curiosa na listagem de músicas? Bem, todas são posteriors ao lançamento de "Ágætis byrjun" em 1999. Tudo bem que não listei nenhuma música do "( )", de 2002 (embora ele tenha arranjos de cordas também compostos por Kjarri, eles são menos evidentes nesse trabalho, e não servem tão bem para o que quero ilustrar). Por que isso? Bem, tudo começa em 1994, quando Jonsi, August e Goggi se juntaram e formaram uma banda que levaria o nome da irmã recém nascida do vocalista partido ao meio ('Sigurrós', um nome razoavelmente típico na Islândia que significa "rosa vencedora", "victory rose" em inglês, que foi o primeiro nome da banda). Com a pretensão de soar como algo entre Iron Maiden e Smashing Pumpkins, a banda se trancou por dois em um estúdio e saiu de lá com um álbum ainda feito às pressas.

"Von" saiu em 1997 e fez um pequeno sucesso comercial e de críticas na sua terra natal. Mas não agradou nem um pouco aos membros da banda. Músicas sombrias (ora tristes, ora pesadas) era tocadas apenas com guitarra, baixo e bateria, de forma quase rudimentar e não tanto criativa. A complexidade e o tamanho do álbum se davam mais pelas experimentaçãos mal direcionadas entre ruídos e distorções. Músicas como "Leit að lífi" não chegaram a ficar prontas e "Hafssól" não se parecia nem um pouco com o que os caras imaginavam (em um f uturo post eu falo mais sobre isso, sobre "( )" e sobre o que a banda fez antes de "Von"). Essa foi a razão para que no ano seguinte a banda lançasse uma versão de remixes do "Von" (incluindo a versão finalizada de "Leit að lífi"). O nome desse álbum era um trocadilho com "Von" que significava "Decepção".

Decepcionados e desesperançados ("Von" significa "esperança") a banda pensou em parar com a idéia de música e cada um seguir sua carreira de jogador de futebol, marceneiro e qualquer outra coisa. Mas então, eis que surge Kjarri, um velho amigo dos caras. Ele se mostra interessado no som do Sigur Rós e acredita que pode fazer mais ainda, levando a música em uma nova direção. Os quatro (agora) se juntam em estúdio e compõe a música "Ágætis byrjun". Jonsi percebeu que havia uma nítida diferença entre as músicas anteriores e essa nova. Ele se animou com o resultado e com evolução de qualidade que a nova parceiria alcançou. Decidiram, então, compor e gravar um novo disco. Em um ano, eles não só compuseram todas as músicas para um novo trabalho como houve uma sobra de estúdio que seria utilizada ainda em singles futuros álbuns (são dessa época "Nýja lagið", "Untitled 2", "Untitled 4", "Untitled 8", "Milanó", "Gong", "Salka", "Hljómalind" e "Í gær").

Como se pode perceber, independente das orquestrações, as músicas do Sigur Rós que surgirão depois da entrada de Kjarri ganharam uma nova força e uma nova face. A voz da banda soou diferente, mas limpa, mais clara, com ritmos definidos e marcantes, bom uso da bateria e das guitarras e a presença belíssima de um piano. A corda vocal pode ter sido trazida por Jonsi, mas que a verdade seja dita: a voz do Sigur Rós que nós chamamos de genial só pode ter vindo de Kjartan.

24 novembro 2008

Uma sugestão de ordem de leituras



Em, 2002 eu fundei um grupo no Yahoo! Chama-se "Culto Lovecraftiano" e era voltado para as obras do escritor Howard Phillip Lovecraft (1890 - 1937, Providence, Rhode Island), ou mais conhecido como H. P. Lovecraft. Lovecraft foi um escritor de terror que praticamente redefiniu o gênero ao adcionar elemntos nunca antes vistos. Assim surgia o horror cósmico (cujos filhos deste são August Derleth, Stephen King e outros). Mas, o que é horror cósmico? Pense em dosagens de raças alienígenas, civilizações antigas e deuses imensos e cruéis habitando nossos oceanos... Parece loucura? Parece que não nos resta chance? Para maiores informações, dou abaixo uma sugestão de ordem de leitura dos trabalhos do Lovecraft.


Como surgiu essa lista? Sabemos que Lovecraft escreveu quase duzentas obras entre poesias, ensaios e contos. Muitos desses contos foram (em especial os da juventude) foram destruídos com fogo e outros foram esquecidos. Dos 110 que restaram, apenas 72 foram traduzidos para o português (embora muitos estejam em edições esgotadas). por essa razão, elaborei a seguinte sugestão de ordem de leitura. Ela não segue uma ordem necessariamente cronológica (interna ou externa), embora eu esbarre nela, algumas vezes. Os contos de Lovecraft podem ser lidos de forma independentes, embora alguns personagens, coisas, lugares e eventos sejam citados em outros contos.


Assim sendo, tentei listar os contos que ainda podem ser encontrados e os coloquei numa ordem que aos poucos façam com que o leitor vá se aprofundando nos ciclos e complexidades do universo de Lovecraft, conforme procuro explicar ao longo da listagem. Na frente de cada conto há uma sigla indicando a qual livro pertence (conferir na legenda, abaixo) e a qual ciclo. Todas essas edições foram publicadas pela editora Illuminuras.


*Legenda - K - À procura de Kadath
S - A maldição de Sarnath
ML - Nas montanhas da loucura
RH - O horror em red Hook
CC - A cor que caiu do céu
D - Dagon


1- Ciclo dos Mitos de Cthulhu
2- Ciclo das Terras dos Sonhos
3- Ciclo de Ficção Científica
4- Ciclo de Terror


*


Uma vez que Lovecraft se identificava com um de seus personagens (Randolph Carter, o único protagonista recorrente), uma boa pedida é ir acompanhando como esse personagem entra aos poucos na loucura do horror cósmico, nos contos:
"O depoimento de Randolph Carter" (ML, 1)
"O inominável" (D, 1)
"À procura de Kadath" (K, 1&2)
"A chave de prata" (K, 2)
"Através dos portais da chave de prata" (K, 2)
A leitura do conto "Procura de Kadath" pode deixar o leitor confuso, já que além da transição dos Mitos de Cthulhu para as Terras dos Sonhos, há uma infindável referência de criaturas, lugares, histórias e pessoas das Terras dos Sonhos. Portanto, recomendo que a leitura prossiga mergulhando nas referências encontradas no conto:
"Celephais" (K, 2)
"Os outros deuses" (S, 2)
"Os gatos de Ulthar" (S, 2)
"Nyarlathotep" (S, 2)
"A procura de Iranon" (S, 2)
"A maldição de Sarnath" (S, 2)
Conhecendo uma quantidade boa sobre a Terra dos Sonhos, e entrando em contato com os deuses antigos, talvez seja hora de conhecer mais sobre os mitos de Cthulhu. Para isso, a melhor forma é pelas poucas, boas e longas novelas de Lovecraft, que explicam bem detalhadamente sobre a relação e história desses deuses e tomos proibidos:
"A sombra sobre Innsmouth" (D, 1)
"O horror de Dunwich" (CC, 1)
"Nas montanhas da loucura" (ML, 1)
Depois disso, sugiro cair de cabeça nos contos, que são mais fáceis de ler e exigem menos conhecimento prévio do que os que você teram. São eles:
"O chamado de Cthulhu" (RH, 1)
"A cidade sem nome" (S, 1)
"O assombro das trevas" (RH, 1)
"A coisa na soleira da porta" (RH, 1)
"Os sonhos na casa das bruxas" (ML, 4)
"A gravura na casa" (RH, 4)
"O horror em Red Hook" (RH, 1)
"O rastejante caos" (S, 1)
"O festival" (S, 1)
E continue com outros contos de terror, levemente relacionados aos mitos de Cthulhu. Como:
"O modelo de Pickman" (RH, 4)
"A tumba" (S, 4)
"Além da barreira do sono" (S, 3)
"Do além" (S, 3)
"O sabujo" (RH, 4)
"Herbert West - Reanimador" (RH, 4)
"Arthur Jermyn" (D, 4)
"Os ratos nas paredes" (CC, 4)
"A cor que caiu do céu" (CC, 3)
Acredito, que depois de ler "A cor que caiu do céu" você desejará conhecer mais obras de ficção científica de Lovecraft. Então, é a hora de seguir para os contos:
"A sombra fora do tempo" (CC, 3)
"Nas muralhas de Eryx" (S, 3)
A partir disso, procure os seguintes contos, em qualquer ordem:
"O que vem com a lua" (S, 4)
"Hypnos" (S, 2)
"Encerrado com os faraós" (S, 4)
"A casa abandonada" (ML, 4)
"A nau branca" (K, 2)
"A estranha casa entre as brumas" (K, 2)
"Ar frio" (RH, 4)
"Ele" (CC, 4)
"O alquimista" (CC, 4)
"A fera na caverna" (CC, 4)
"A rua" (CC, 4)
"O ministro maligno" (CC, 4)
"Dagon" (D, 1)
Acredito que depois de tudo isso, vocês já terão conhecimento mais do que o suficiente para decidir o que ler, o que reler e o que não ler. Divirtam-se. Quase tudo o que realmente importa está nesta lista.

16 novembro 2008

A viagem de Earendil e o nascimento de Arda pelos versos


Na infância de Tolkien, os nomes dos trens eram em galês antigo. Aquela língua o encantou. E continuou encantando até que, casualmente, comprou um livro em inglês arcaico (ou gótico). Foi um amor instantâneo pelo som daquelas misteriosas palavras que despertaram seu futuro como filólogo. Através desse estudo de línguas, conheceu poemas em línguas antigas e acabou travando contato com obras como “Beowulf”, “Sir Gawain and the Green Knight”, “Sir Orpheu” e “Pearl”. Também travou contato com os Eddas (da Islândia) e com o Kalevala (da Finlândia). Foi com um parco contato com a língua finlandesa que decidiu inventar sua própria língua. Foi com os mitos finlandeses que decidiu contar a história de Turin Turambar (uma versão do mito de Kulervo).
Além de Kulervo, decidiu contar a clássica história da Humanidade em que os deuses punem um povo superior por sua arrogância e audácia, afundando a ilha em que moram. Tolkien costumava ser assombrado pelos pesadelos com Atlântida em muitas noites (assim como o medo de aranhas desde que uma caranguejeira subiu em seu berço). Assim nascia a história da queda de Gondolin. E apesar dessa história, junto com a de Turin, ter sido a primeira lenda imaginada para compor sua obra (então o “Book of lost tales”, que viria a ser conhecido como “Silmarillion”), ela se situava ao final da epopéia.
A obra que se situaria no centro de todos os eventos, era sobre Lúthin Tinúviel e Beren o maneta. Esta história surgiu do amor de Tolkien por sua mulher Edith. Eles freqüentavam um parque cujos caminhos eram ladeados por árvores. Tolkien ria de alegria ao ver a graciosidade com a qual Edith dançava e cantava, assim como Beren (um humano) se apaixonou pela comprometida princesa élfica Lúthien ao vê-la cantar e dançar. Tolkien também escrevera um poema sobre isso, chamado “Goblin’s feet”.
E os poemas foram as bases para a obra de Tolkien e o nascimento da Terra-Média. A queda de Gondolin teve mais de 2000 versos antes de ser bruscamente interrompido. A balada de Beren e Lúthien (ou “Leithian”) teve quase 4000 versos sem nem ter chegado à sua metade. Esses e outros versos podem ser conferidos no terceiro volume da série HoME (comentada em um post anterior): “Lays of Beleriand”. Vocês também podem encontrar trechos deles no “Senhor dos Anéis” ou nas “Aventuras de Tom Bombadil”. Por exemplo, a canção que Bilbo sobre Earendil.
E foi a história e Earendil que poderia ter dado início a Terra-Média. De fato, a idéia de Tolkien de recontar a história mitológica da Grã-Bretanha se deu nas trincheiras da Primeira Guerra Mundial, por volta dos anos 1917 a 1919. Mas, antes disso, em 1914, quando Tolkien terminava seus estudos, se deparou com um grupo de poemas anglo-saxões chamados “Crist”, de um autor chamado Cynewulf. Dois versos da obra eram : “Eala Earendel engla beorhtast/ ofer middangeard monnum sended”, (“Salve, Earendel, mais brilhante dos anjos/ sobre a terra do meio mandado aos homens”).
Earendel era João Batista, de fato, mas também era um nome para a estrela do mar, a estrela da manhã: Vênus. E embora ainda não tivesse adotado nomes tirados da literatura islandesa para sua obra (pois sequer possuía uma obra), o nome terra do meio (‘Terra-Média’, ou “middangear”, “midgard”) o atraíra, também. Então, antes de adotar o nome de Earendil, Tolkien escreveu um poema sobre as viagens de Earendel em seu barco pelas estrelas: “The shores of Faery”. Nascia aí a Terra-Média, o Quenta Silmarillion e a Saga do Anel. Nascia sem ser planejado e antes da hora e Tolkien, como o pai, viria a ser o último a saber, claro. Nascia em versos, como Beleriand, Arda ou Valinor, nascia em versos como conta o "Silmarillion".

15 novembro 2008

"O Hobbit": livro problema (?)






Em mais um texto longo sobre algo relacionado a literatura (dessa vez sobre Tolkien, pra variar), resolvi falar tudo o que sempre achei sobre "O hobbit", o primeiro romance completo e publicado de Tolkien. O livro (que chegou ao Brasil só em 1997, mas existia em português desde 62), viu a luz das livrarias inglesas no dia 21 de Setembro de 1937 (equinócio de outono no hemisfério norte e de primavera no hemisfério sul). Coincidentemente, um dia antes do aniversário de Bilbo Baggins (protagonista do livro) e Frodo Baggins (sobrinho de Bilbo e protagonista de uma outra obra).
"O hobbit" conta a história de como o mago Gandalf (sim, aquele) convence o pacato hobbit Bilbo a se juntar em uma aventura com 13 anões (um deles é parente daquele tal Gimli). Sem entender muito bem do que se trata, Bilbo quebra os costumes do Condado (lar de muitos hobbits respeitáveis) e aceita o convite. Bilbo sabe que há algo sobre matar um dragão e recuperar um tesouro que ele roubou dos anões. Bilbo também sabe que se ele sobreviver e ele pode receber uma parte do ouro. Só. Ele não sabia que iria enfrentar trolls e orcs, ou se encontrar com elfos, ou se envolver num guerra entre povos.
Bilbo também não sabia que iria encontrar um anel mágico e lutar contra aranhas gigantes (coisa que seu sobrinho um dia faria, também, em uma outra obra). E é assim que Bilbo se encontra com o sábio Elrond meio-elfo em Valfenda, cruza as montanhas sombrias onde os anões ergueram uma tal de Minas Moria ou as Floresta das Trevas onde um tal de Legolas mora (assim como um Necromante conhecido como Sauron e seus nove cavaleiros negros, dentro de uma torre).
Vejam como toda a história de Bilbo iria levar até a história de Frodo, no "Senhor dos Anéis", certo? Errado (mais ou menos). A começar pelo Anel. É dito que Bilbo, por razão de uma esconhecida força maior, engana a criatura Gollum num antigo sagrado jogo de advinhas (tão respeitado e praticado pelos hobbits), ao que desperta a ira de Gollum. Depois de conseguir fugir das garras do adversário, é dito que Bilbo nada conta sobre seu recém adquirido objeto mágico para Gandalf ou para os seus companheiros anões.
E é aí que se encontra o grande problema. O primeiro deles, na verdade. Lembram que há pouco falei sobre Legolas, Moria e Sauron? Pois bem, nada disso é dito no livro. Apenas quando se lê o Senhor dos Anéis ou se estuda outros textos do Tolkien, é que sabemos sobre isso. Isso não é necessariamente um problema, calro, mas faz parte de um problema maior. "O hobbit" não se passa na Terra-Média. Pôlemico? Bem, quem afirma é o próprio Christopher Tolkien (filho do Homem e autor dos melhores estudos e compilações inéditas do pai).
Explico. "O hobbit" começou em fevereiro de 1930, quando Tolkien corrigia umas provas em Oxford. Um de seus alunos entregou-lhe uma página em branco e Tolkien aproveitou para rascunhar uma frase que estava em sua cabeça desde manhã: "Num buraco no chão vivia um hobbit...". E Tolkien quis saber o que era um hobbit. Para responder a essa pergunta, pelos próximos 4 anos contou as aventuras de Bilbo Baggins para entreter seus filhos e sua esposa nas noites frias e desocupadas. O então pequeno Christopher achava que o pai devia escrever tudo aquilo para não se esquecer. E assim, durante mais 2 anos, tolkien escreveu "O hobbit, ou: lá e de volta outra vez", com nomes, eventos e humors retirados da cultura islandesa.
No ano seguinte, por insistência do amigo C. S. Lewis (o criador de Nárnia), Tolkien mandou o manuscrito para uma editora (Harper-Collins) e publicou sua primeira obra. Tratava-se de uma obra infantil de fantasia, um conto de fadas. Isolada de todas as outras criações, Tolkien apenas salpicou alguns elementos de sua obra principal no "Hobbit". (Devo lembrar-lhes que a orba principal a qual me refiro é "O Silmarillion", conforme expliquei em um post anterior; uma obra que tentaria criar toda uma mitologia para a Inglaterra e consequentemente para os Dias Antigos do mundo todo).
Assim sendo, no "Hobbit", Tolkien citou os Alto-Elfos (Noldor), o Necromante (Sauron), Azog (o capitão orc que destruiu Moria), Elrond e, principalmente, a Pedra Arken: o tesouro mais cobiçado pelos anões (Pedra Arken em inglês antigo é Eorclastnas, um dos nomes que Tolkien deu para as Silmarils, a peça fundamental na qual gira "O Silmarillion"). Então, quando os editores pediram que Tolkien escrevesse mais histórias sobre hobbits, uma vez que o publico pediria, ele resolveu continuar a história a partir desses elementos mais antigos.
Dessa forma, se "O Silmarillion" trata dos Primeiros Dias, "O senhor dos anéis" trata dos Últimos Dias. Um continuaria o outro (Tolkien até mesmo cogitou lançar os dois livos num volume só, mas os editores não quiseram arriscar e Tolkien não conseguiu acabar "O Silmarillion"). Agora, "o hobbit" fazia parte das histórias da Terra-Média, ams apenas como um prólogo que liga uma obra a outra.
Para tanto, Tolkien precisou fazer uma pequena modificação: como o Anel foi parar na mão de Bilbo. Ele não pretendia escrever histórias sobre a Segunda ou Terceira Eras da Terra-Média. Ele se quer cogitava a existência de tal coisa. "O Silmarillion" tratava sobre os dias antigos e só, nada mais. A idéia de continuar a mitologia (até o ponto em que chegou) veio com uma mudança de tom e sentido no "Hobbit". Quem leu (ou vier a ler) "O hobbit", perceberá como a narrativa é inffantile cheia de piadinhas bobas como a origem do golfe ou o pensamento de uma raposa ou as canções jocosas dos elfos. Mesmo a primeira parte do "Senhor dos Anéis" tem esse clima (exceto que os elfos não se embebedam na "Sociedade do Anel"). Conforme as coisas crescem e a ameaça se torna real, o humor das obras fica mais sombrio e sério.
Até no "Hobbit", quando uma batalha é travada por mesquinharia e personagens morrem. Mas, até esse momento, todo o livro deveria ser alegre e inocente. Deveria, mas não o é. Onde? No momento em que Bilbo se apossa no Anel. Por quê? Por que ali vemos a influência dos contos antigos da Primeira Era e os presságios de como acabarão a Terceira Era. Sauron age nas ganâncias de Bilbo e de Gollum. E como já devo ter dito, nem sempre foi assim.
Quando Tolkien releu "O hobbit" para um nova edição, antes do lançamento do "Senhor dos Anéis", ele precisou se conter para não reescrever o livro todo (para uma terceira edição em 47)! Por sorte, ele apenas modificou o capítulo 5, cuja idéia inicial era a seguinte: Bilbo, perdido na escuridão da caverna dos orcs, encontra a criatura Gollum, com quem joga advinhas para passar o tempo. Como Bilbo ganha honestamente no jogo, Gollum o leva até a saída da caverna e (pasmem!) lhe dá de presente um anel mágico que o deixa invisível. Bilbo se despede jurando visitar o novo amigo um dia...
Imagino que agora tudo começa a ficar claro. Quando Tolkien escreveu "O hobbit", ele não imaginava uma Guerra do Anel, um rei caído de Gondor, uma traição do Mago Branco ou uma partida dos elfos de volta para Valinor. Da mesma forma, quando Tolkien escreveu "O Senhor dos Anéis", ele não ligou muito para explicar sobre relógios, golfe, trolls falantes, elfos festeiros, gigantes de pedra, animais falantes, a Pedra Arken ou mesmo os próprios hobbits. Claro, que para ("quase") tudo isso foi encontrado uma solução. Mas, tais soluções é que geram tantos problemas.
E que problemas! A Terra-Média não tem gigantes, mas quem são aqueles gigantes de pedra? Alguns vão dizer que são as montanhas vistas contra uma tempestade, mas Tolkien lhes dá movimentos e feições. PODEM SER trolls, uma vez trolls que são corrupções de ents e ents PODEM TER SIDO chamados de gigantes verdes no início do "Senhor dos anéis". E, falando em trolls, os trolls falantes e pensantes no "Hobbit" PODEM SER olog-hai, ou meio-trolls. Entendem a dificuldade? E tem mais...
A pedra Arken não era uma Silmaril (ponto, não se discute mais). Assim como os elfos bebrem, cantarem e rirem demasiadamente se trata apenas de como Bilbo os interpretou ao escrever seu livro (uma solução simples: considere "O hobbit" e "O senhor dos anéis" como uma obra narrada por Bilbo, Frodo e Sam). E, falando nos hobbits, de onde eles vieram? Ah, DEVE TER SIDO uma transformação dos humanos que viviam as margens dos rios no norte.
Com tantas diferenças entre uma obra e outra, fica fácil entender por que muitos não consideram "O hobbit" como fazendo parte dos contos da Terra-Média. Agora, com basse nisso, é curioso pensar que o único livro sobre a Terra-Média escrito e completado pelo próprio punho do tolkien, espontâneamente (ou seja, sem cobrança ou pedido da editora e sem ser editado póstumamente) seja "O hobbit": o único livro de Tolkien sobre a Terra-Média que não trata sobre a Terra-Média em si, de verdade.
Para maiores esclarecimentos, consultem os dois volumes do "The history of the Hobbit" (1: Mr. Baggins & 2: Return to Bag-End) do autorJohn D. Rateliff. Esse livro foi publicado em junho de 2007, mas não chamou a atenção devido ao fato de que no mesmo ano o Christopher Tolkien editava uma obra inédita do pai ("Children of Húrin"). De qualquer forma, esse livro foi encomendado pelo próprio Christopher na década de 80. Naqueles tempos, Christopher estava ocupado coletando, editando e publicando a série "History of Middle-Earth" (conforme expliquei no outro post, uma série de trabalhos e versões abandonados por Tolkien) e ele considerava que os materiais a cerca do "Hobbit" não se encaixavam na série HoME. Antes do lançamento, contudo, Christopher verificou a aprovou todo o conteúdo de esboços, desenhos, rascunhos, notas, versões alternativas e extensões abandonadas do "Hobbit" contidas nos dois volumes de John D. Rateliff. E assim acaba, para quem conseguiu ler até aqui, esse tópico cheio de informações 'inúteis' mas de grande interesse para os admiradores da obra de Tolkien (assim imagino), pois "tudo está tão bem quando acaba melhor", de acordo com o senhor Bilbo.

14 novembro 2008

Tolkien e suas publicações: uma obra póstuma (?)


Nietzsche uma vez declarou considerar-se um autor póstumo. Dizia que sua obra seria lida e compreendida em um século e não enquanto fosse seu tempo de vida. Tinha razão parcial: hoje as pessoas o lêem e até o admiram, mas poucos o entendem de fato e não consigo compreender todo o respeito que recebe. Mas, enfim, não é sobre Nietzsch que quero falar.
Como muitos sabem, sou fã-paga-pau de muitas pessoas no mundo cultural. Mas, sou fã-especialista de poucas coisas nesse mesmo mundo cultural. Uma delas é Tolkien. Embora eu não manjo tanto de Tolkien como eu gostaria, ainda assim sei pesquisar muitas fontes dentro de sua obra. Por essa razão, quero falar sobre sua obra póstuma (alardeada, muitas vezes, como maior que sua obra em vida).
J. R. R. Tolkien nasceu na Africa do Sul em 1892, mas em poucos anos sua família voltou para a Inglaterra. Aapaixonado pelas antigas de seu país e pela "pobreza" (?) mitológica do passado de toda a Grã-Bretanha, decidiu construir canções e contos épicos para preencher essa lacuna. Claro que ele escreveu outras coisas, mas desde cedo seu foco foi o que viria a se tornar o medlo de fantasia medieval e uma das obras mais consumidas de todos os tempos.
Suas primeiras publicações, ainda no início da década de 10, foram alguns poemas não muito conhecidos ou importantes: "Battle of the Eastern Fields", "From the many-willow'd margin of the immemorial Thames", "Goblin feet" (para sua então namorada e futura esposa), "Happy Mariners", "The hoard"(numa versão em inglês arcaico), "City of gods", "The errantry", "Dragon's visit" e alguns outros. Muitos dessas obras foram compiladas no livro "As aventuras de Tom Bombadil", de 1962. Nesse livro, constam 16 poesias sobre a terra-média, supostamente compostas pelos hobbits Biblo Bolseiro, Frodo Bolseiro ou Sam Gamgee.
Esse "Aventuras de Tom Bombadil" (inédito no Brasil, mas em edição portuguesa desde a década de 80) veio para suprir a falta que o público sentia de mais eventos na terra-média. Tolkien e seus editores, prefeririam lançar o "Silmarillion", contando toda a história da criação do mundo e a primeira era do Sol, mas o livro nunca ficava pronto. Agora, perguntem-me, que falta é essa que o público sentia?
Em 1930, Tolkien começou a escrever o que se tornaria "O Hobbit", lançado sé em 1937. O livro infantil fez um estrondoso sucesso e a editora decidiu que Tolkien deveria continuar a narrar aventuras de hobbits na Terra-média. Assim, ele pensou e começou a escrever "O Retorno da Sombra", misturando hobbits com a mitologia que estava criando para a Inglaterra. Essa mitologia vinha sendo escrita desde 1914 com o título de "Book of Lost Tales". Tolkien terminou de escrevê-la em 1923, mas pensou que poderia melhorá-la e fazer dela um mitologia para os primeiros dias do mundo como um todo, e não do seu país. Dessa forma, todas as mitologias deveriam estar contidas ali, bem como todos os heróis e histórias. Por essa razão, tornou a reescrever tais contos, chamando-os de "Silmarillion".
"O retorno da Sombra" contaria a história de uma viagem de Bilbo Bolseiro em busca de mais dinheiro. Mas, espere, seu dinheiro não tinha acabdo! Ok, então, Bilbo viajaria pelo Grande Mar. Mas, por quê? Então, que tal se o Condado fosse atacada por um exército de dragões? Não ficaria bem, Tolkien precisava de outra história...
Foi então que se lembrou de haver altos-elfos no "Hobbit". E havia necromantes e jóias mágicas. E, o que mais aquele anel que Bilbo pegou de Gollum poderia fazer? Assim, "O Retorno das sombras"cresceu e mudou de nome. "O Senhor dos Anéis" tomaria rumos ainda muito diferentes. Gollum, de amigo passaria a vilão; os ents, de traidores passariam a amigos; Passolargo, de hobbit passaria a rei de Gondor, etc, etc etc...
"O senhor dos anéis" se tornou "A sociedade do anel", "A traição de Isengard" e "A guerra do anel", ops... tudo mudou mais uma vez até se tornar "A sociedade do anel", "As duas torres" e "O retorno do rei". E assim, em 1954, depois de quatro anos de seu término, a trilogia mais famosa da literatura foi publicada. Porém, e entre 1937 e 1954, o público abandonou a Terra-média?
Sim e não. A editora impaciente com a demora de tolkien em terminar a continuação do "Hobbit", comprou os direitos de outras obras infantis ou de fantasia de Tolkien: "Folha, de Niggle" (de 1945), "Mestre Giles de Ham" e "Ferreiro de Wooton Major" (ambos de 1949). Esses excelentes contos nada falam sobre a terra-média (talvez, os dois últimos, em especial o último, esbarre um pouco naquele universo), mas fizeram um sucesso relativo na época em que foram lançados permitindo que um livro infantil ilustrado fosse lançado: "Mr. Bliss" (igonarado por muitos fãs do autor, por se tratar de carros explodindo e asfixiando as pessoas em Oxford).
Se o "Silmarrilion já vinha sendo reescrito a partir da década de 20 até o início da década de 30, com a retomada de Tolkien ao universo do "Hobbit", era hora de começar a escrever pela terceira vez o corpo histórico da Terra-média (agora, sob o nome "Qenta noldorinwo"). Essa foi a única versão que Tolkien completou do "Silmarillion", mas ela só veria a luz décadas depois. Por que? Por que Tolkien, obsessivo e perfeccionista como era, se aprofundou mais uma vez dentro do mundo que desenvolveu e resolveu que "Senhor dos Anéis" continha ingongruências com o "Qenta noldorinwo". O que ele fez? Simples e óbvio: começou a reescever o "Silmarillion". Essa seria a quarta (!) e última vez.
Mas Tolkien simplesmente não conseguia chegar a um fim. As línguas do elfos mudavam, logo os nomes e as histórias dos nomes mudavam; mais histórias chegavam e precisavam ser incorporadas; os hobbits, magos, anéis e ents precisavam fazer parte daquele passado de alguma forma; toda a série de poesias sobre a Primeira Era precisava se tornar uma prosa coerente; as sagas da Segunda e da Terceira Era precisavam de espaços e motivos para acontecerem; etc, etc etc...
E Tolkien ainda tinha uma família, tinha um emprego, tinha amigos, tinha uma vida. Não podia só ficar escrevendo. Mesmo assim, ele escrevia sem parar. Escrevia ensaios sobre lembas, anais históricos da segunda era ou de Valinor, escrevia contos de viagens no tempo onde alguém via a queda de Númenor ou participava da última aliança entre homens e elfos contra Sauron, escrevia contos sobre os homens-selvagens da Terra-média, escrevia sobre os deuses ou a forma do mundo, escrevia sobre os Magos, escrevia sobre as viagens de Galadriel, etc etc etc... Até que, reuniu cinco contos que contava para seus filhos quando criança e publicou "Roverandom" (sobre um cachorro que viaha ao fundo do mar e à Lua). Também publicou críticas e ensaios sobre contos de fadas e narrativas épicas em versos. Publicou traduções de "Beowulf", "Sir Gawain" e "Beorthnoth". E ainda, em 1967, escreveu alguns textos para acompanhar o livro "Road goes ever on" de Donald Swann, com partituras musicando poemas do "Senhor dos Anéis".
Claro que Tolkien morreria sem acabar "O Silmarillion" em 1973. Também deixava inacabado outros contos e romances, como "The New Shadow" (continuando o "Senhor do Anéis"). Havia ainda "Tal-Emar", um romance sobre a segunda era, inacabado, bem como uma novelização do conto de Túrin Turambar, filho de Húrin.
E o que aconteceu com todo esse material? Para muitos, nunca exisitiu de fato (mas foram inventados pelo filho Christopher Tolkien). Para aqueles que leram a biografia de Tolkien e suas cartas, sabe-se que esse material ficava engavetado na garagem de sua casa na rua Sandfield Road, 66. Assim, em 1977, depois de anos ajudando seu pai e anos compilando suas notas espasras após a morte, Christopher Tolkien publicou "O Silmarillion". A obra estava completa e acertada (alguns pontos form resumidos por estarem incompletos, outros foram juntados com as versões antigas por estarem incoerentes). A obra estava completa (reafirmo): "O Hobbit", "O Senhor dos Anéis" e "O Silmarillion". Ou, em ordem cronológica, "O Silmarillion" (contando os primeiros dias do mundo), "O Hobbit" (fazendo um curioso interlúdio para) "O Senhor dos Anéis" (mostrando como acabava os tempos antigos de nosso mundo).
Depois disso, em 1981, Christopher mostraria ao mundo os "Contos Inacabados de Númenor e da Terra-Média", reunindo todos os ensaios, contos e versões que tolkien pretendia ter terminado enquanto em vida mas não terminou. Porém, ainda faltava algo, e de 1987 até 1999, a série "History of Middle-Earth" (ou HoME, para os íntimos) foi lançada em 12 volumes que revelava todo o processo de criação de Tolkien, bem como todas as versões de suas obras (incluindo os primeiros "Silmarillion"s, o que poderia ter sido o "Senhor dos Anéis" e contos e ensaios abandonados e inéditos, revelando muito do que poderia ter sido a segunda ou a quarta-era da Terra Média).
Bem, o texto é grande e findo aqui dizendo que Christopher ainda publicou o romance completo de Turin Turambar (sob o nome de "Filhos de Húrin", de 2006, ainda inédito no Brasil mas com edição portuguesa). Christopher ainda, diz que já encontrou pequenas anotações que não serviriam o suficiente para um "Contos Inacabados 2" ou HoME 13. Agora, ainda há quem não acredite ser tolkien o autor desses 15 livros póstumos. Entretanto, qualquer um que estude com cuidado o assunto e veja cartas e entrevistas de quando Tolkien estava vivo, sabe da realidade dessa obra póstuma (de fato, maior que a em vida). Além disso, se fosse uma invenção caça-níquel (como comumente se vê com outros autores), poderíamos dizer que Christopher a faz muito bem feita!