10 janeiro 2009

O fim de um trilogia


Em seu álbum de 2004, "Hail to the thief", o Radiohead iniciava com uma música chamada "2+2=5". Uma expressão um tanto quanto comum e que, alunos de um certo curso de matemática, tentaram comprovar aplicando uma função binomial em um trinômio quadrado perfeito. Falharam por causa de um detalhe ignorado, o que não vem ao caso aqui. Mas, o que talvez possa nos interessar é que Christopher Paolini, nascido em 1983 na Califórnia (que junto com outros 49 estados, incluindo o Alasca e o Havaii, formam os Estados Unidos da América), conseguiu a seguinte fórmula: 1+1+1=4.

O que surgiu em 2002 como a "Trilogia da Herança", passou a ser chamado de "Ciclo da Herança" a partir de 29 de agosto de 2007, depois um pronunciamento do próprio escritor. Tudo isso aconteceu por causa de seu primeiro livro, "Eragon" que começou a escrever quando tinha 15 anos e terminou quando tinha 19 (publicando-o para o mundo todo no ano seguinte). "Eragon" trata da história de "Star Wars" na Terra-média. Sim, é verdade. A história de fantasia com cavaleiros, dragões e magia é exatamente a mesma: jovem fazendeiro vive com tio por não saber quem é seu pai, mas, mal sabe ele, que está destinado a pertencer a uma extinta ordem de cavaleiros que foi traída pelo Imperador, que fora treinado pelo mestre que Eragon. Não é a mesma história? Se trocarmos Eragon por Luke, Brom por Ben e Galbatorix por Vader, teremos tudo pronto.

Mesmo assim, devemos dar o seguinte crédito a Paolini: sua saga é boa. Embora se pareça com uma aventura de RPG com um sistema de magia complicado e contraditório (um mago pode tudo e ainda assim não ousa nada?), ele trabalha com clichês e arquétipos. Ora, clichês só se tornam clichês por dar certo, não é? Por essa razão, o autor que estudou sob a tutel dos pais em casa e que teve total apoio e editores e amigos, se tornou um sucesso comercial e de apelo popular equivalentes ao de Harry Potter ou o recente "Crepúsculo". Entretanto, o filme de 2005 foi um fracasso (de publico, crítica e qualidade, apesar da produção esmerada), o que declinou o foco sobre a, então, "Trilogia da Herança" (como Paolini batizou sua saga).

E se "Eragon" começou como uma divertida aventura de viagens, batalhas, paisagens, amigos e histórias, o segundo volume foi além e tentou mostrar a seriedade dos eventos que circundavam a vida daquele jovem abandonado. Envolto em guerras políticas e poderes antigos, "Eldest" (mantendo o mesmo nome no Brasil, que poderia ser "o mais velho"), revelava a verdade sobre a ordem dos cavaleiros de dragões, sobre a magia, sobre os elfos e sobre a identidade do pai de Eragon.

E o segundo livro começa muito bem. A escrita mostra uma evolução em relação ao volume anterior, assim como a personalidade dos personagens. Eragon abandona a rebelião contra o Império e parte em busca de aprimorar o seu apredizado e o de sua dragoa Saphira. Em sua viagem, trava contato íntimo com a cultura dos anões, o que deve ser o ponto do livro. Um cultura subterrânea (como a de qualquer anão de literatura de fantasia medieval que se preze), mas voltada para antigas tradições e envolvimento com religião. Seus guerreiros sãos eres únicos, bem como seus costumes.

Entretanto, quando conhecemos mais a fundo a sociedade e o país dos elfos do continente Alagäesia, travamos contatos com uma insossa cultura de elfos da Terra-média com metafísica e zen-budismo. Sim, os elfos devem ser japoneses (até na aparência, diga-se de passagem). Eu nada tenho contra os japoneses, pelo contrário, os mais atentos podem reparar nesse blog o quanto eu devo para o Japão e seus habitantes. Mas, a filosofia zen e os princípios de criatividade e destrutividade do hinduísmo, parecem muito fora da realidade de um mundo como o de Eragon. penso que esses conceitos ficariam melhor em outros universos e histórias, sei lá.

Creio que a pior parte é tentar transformar Eragon em um elfo e curar sua ferida nas costas. O argumento é que com aquela cicatriz, ele jamais conseguiria enfrentar Galbatorix. Mas, ora, aí está a graça! Por que não tentar derrotar oa dversário de forma inovadora, apesar dos sofrimentos? Não, Paolini optou por ter como centro de sua história um personagem humano/elfo/anão, telepata, cavaleiro de dragão e mago/feiticeiro. Indestrutível, de certo. Perfeito e ainda assim completamente inútil contra o intocável vilão da série.

Obviamente, o livro termina com uma batalha entre Eragon e Murtagh (seu amigo desaparecido), onde ele descobre que são irmãos e filho do maior vilão de Alagäesia, depois de Galbatorix. Lembro da minha mulher acabar de ler o livro e gritar: 'por que o Murtagh não cortou a mão de eragon e o convidou a governar a galáxia como irmãos?'. Eu ri. Mas, também me lembrei que "Eldest" tinha um ponto alto: Roran, o primo de Eragon, uma pessoa normal, apaixonada, que se refugiou com seu povo e se mostrou alguém cheio de sofrimentos por entrar lutas de vida e morte. Uma história que foi anrrada ao longo de todo o segundo volume, paralela e independente da saga de Eragon e Saphira.

Assim, em 2007, quando muitos esperavam um livro de capa verde, com um dragão verde na capa e o título de "Empire" (por conter seis letras e começar com "e"), Paolini anunciou que não mais escreveria uma trilogia. O último volume da série estava ficando muito grande e decidiu dividí-lo em dois, fazendo assim de sua saga um ciclo. O "ciclo da herança" (herança, aliás, é o nome de um capítulo tanto em "Eldest" quanto em "Brisingr"). Muitos torceram o nariz por Paolini parecer estar buscando vender mais livros, outros gostaram da idéia de adiar o fim da saga para poder ler mais eventos dentro da história. O fato é que Paolini seguiu os caminhos de Hollywood, nos últimos anos: divir "O hobbit" em dois filmes ou "Harry Potter e as relíguias da morte" em dois filmes, também.

Assim sendo, no final de 2008, dois anos depois do segundo volume do agora "Ciclo da herança", chegava "Brisingr", com a capa preta e o dragão dourado Glaedr desenhado, oito letras no título mas começando com "b" e, até mesmo, um subtítulo: "ou as sete promessas de Eragon Matador de Espectros e Saphira Bjärtuskullar". "Brisingr" também não teve seu título traduzido para o português, mas significa "fogo" na língua inventada por Paolini para que seus elfos falassem (e a língua se parece, mas não é quênya ou sindarim).

Para quem pretende ler e ainda não leu, devido ao recente lançamento, eu resumo os próximos parágrafos da seguinte forma: mais uma vez, Eragon Skywalker enfrenta o Imperador Darth Galbatorix, depois de resgatar a amiga Katrina Solo das garras de Jabba Razac, depois do que parte para terminar seu trinamento com o Mestre Yodoromis em Du Dagoba, enquanto seus amigos da Rebelião continuam tentando destruir a fortaleza impenetrável de seu adversário e colocar Jedi do Dragão contra Jedi do Dragão em uma batalha final.

Para quem ficou interessado nas referências ao universo "Star Wars" e não se importa em saber um pouco mais, devo dizer que a escrita de Paolini nesse terceiro (e quem sabe penúltimo volume) se mostra ainda mais competente, de forma que seus personagens se parecem mais profundos do que de fato são ou que a situação do mundo é mais complexa do que fato é. Com base nisso, o livro começa com um excelente primeiro capítulo de busca. Porém, logo o livro embarca em tediosas centenas de páginas onde a falta de acontecimentos só é quebrada por insistentes conflitos físicos que só resolvem com espadas.

E apesar da presença marcante de Roran (que depois da metade do livro fica quase completamente apagada) só por volta da página 400 é que temos eventos dignos de nota. Eragon, mais uma vez, se aproxima do interessante reino dos anões e presencia mais coisas de sua cultura, de seus atentados, de suas coroações e de sua religião (incluindo a supreendente aparição de um deus, Gûntera). Apesar disso, a partir da página 500, com a desculpa de uma iminente e importante batalha, tudo se torna muito rápido: o fim do treinamento de Eragon junto aos elfos e a própria batalha final do livro (e não de Eragone Galbatorix). A batalha tem seu charme, devido a ser bem diferente das batalhas anteriores. Eragon atua de forma a permitir que o exército varden ganhe sobre Feisten, mas não luta contra nenhum grande vilão (só um Espectro, como Durza, mas isso logo é resolvido). Outro momento curioso nessa batalha, é o lampejo do que Oromis e Glaedr passam quando enfrentam o próprio Galbatorix (na, quase, primeira aparição do vilão, bem diferente do que acontece com Sauron, em "Senhor dos anéis").

Portanto, tanto o livro, quanto meu post de hoje, chega a um fim com a perspectiva de mais um volume pretensioso em seriedade e recheado de nomes (tanto quanto ou mais que o "Silmarillion"), enigmas e relações entre personagens. Penso que a destruição do Anel e consequentemente da Estrela da morte, se dará no conflito final com sabres de luz entre Ergon e Galbatorix.... Até lá, sugiro que tanto o leitor quanto o escritor diminuam suas expectativas para que o livro corresponda, apenas, ao que de fato representa: mais uma obra literária de fantasia, bem escrita e divertida. Não mais do que isso. Nada de revolução do gênero, sabedoria infinita ou coisa que o valha. "Eragon" fez sucesso por sua simplicidade, por que a trilogia não pode ter um epílogo tal qual?
"Brisingr" não muda tanta coisa na saga de Eragon quanto se espera, ele acaba quase como "Eldest", certa forma. Então, já que o autor resolveu alongar essa boa série de livros, ele poderia aproveitar e fazer um livro que seguisse a tradição dos dois primeiros (capa da cor do dragão, seis letras sendo a primeira "e"), de forma que "Brisingr" seja apenas um interlúdio entre "Eldest" e o suposto "Empire". Que a "Herança" volte a ser uma trilogia, pois se ainda fosse, "Brisingr" seria um 'final' frustrante para Eragon. Não só pelo que ainda falta ser feito pelo herói, mas pelo que a série poderia proporcionar.
Terminada minha inveja de um bom autor de sucesso com a mesma idade que a minha, retomo agora as outras leituras que estão na lista para esse ano.

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito interessante!
O pior é que ele, Christopher Paolini, ainda nem acabou de escrever o suposto quarto livro, ou seja, não sabemos quanto tempo vamos esperar até podermos lê-lo!