02 dezembro 2008

Inklings: da Terra-média para o espaço


Tolkien conheceu Jack em 11 de maio de 1926 em uma reunião da faculdade. Jack fora recém aceito na cadeira estudos lingüísticos da mesma. A amizade dos dois foi instantânea e, enquanto durou, foi forte. Tolkien influenciou Jack a conhecer a fé (conforme relata no poema “Mythopoeia”), a escrever livros de fantasia para crianças e a participar dos Inklings, uma sociedade de contistas, romancistas e poetas que, além de discutir suas obras ou obras importantes da literatura anglo-saxônica, eram bons amigos e confidentes, gostando de passar as noites de quarta-feira juntos, fumando cachimbo no Balliol College.
Tolkien já tivera outros grupos de estudo e apreciação de produções literárias (como o ‘koalbitters’, ‘mordedores de carvão’ em islandês, numa referência aos mineiros que passam as noites de frio junto ao fogo, contando histórias; ou a T.C.B.S.), mas nenhum grupo foi tão ilustre quanto os Inklings. Além de Tolkien e Jack, também participava desse grupo o fiel amigo de longa data de Tolkien: W. H. Auden, famoso poeta, importante crítico, influente editor e excelente autor.
Jack costumava chamar Tolkien de ‘Tollers’ (apelido que o acompanhava desde criança) e a proximidade entre os dois foi tão grande, que Jack foi um dos primeiros a apreciar a “Lay of Beren and Lúthien” e tantos outros aspectos do mundo que rondava as lendas sobre os elfos, as silmarils e os próprios Beren e Lúthien. Assim, em 1930, com os humores elevados por conta de vinho, Tolkien (ou Tollers) e Jack combinaram que cada um escreveria uma história de ficção científica que remontasse à descoberta do Mito. Tolkien (ou Tollers) escreveria sobre uma viagem no tempo, e Jack escreveria sobre uma viagem pelo espaço.
A história de Tolkien chamava-se “The lost Road” e nunca passou do terceiro capítulo (conforme se vê no quinto volume das HoME, chamado precisamente de “Lost Road and others tales”). O livro mostraria como o professor de línguas Alboin e seu filho, desenvolveriam sua relação até então tão distante, enquanto voltavam no tempo através de sonhos para desvendar um mistério que encontrara em sua biblioteca: uma estrada perdida que segue reta para fora do mundo até encontrar Atlântida, prestes a cair. Atlântida, na verdade, se chamava Númenor (alguém reconhece esse nome de algum lugar?).
Mais uma vez Tolkien impunha sua própria mitologia em obras que não se tratava da Terra-Média. Claro que devemos levar em conta que “O hobbit” e consequentemente “O senhor dos anéis” ainda não tinham nem sinais de existência, mas, ainda assim, elementos como elfos, Morgoth, Sauron, Valinor se faziam presentes durante os tempos de guerra que culminariam na destruição de Númenor por ondas gigantes enviadas pelos valar.
Sim, era um romance dos tempos do “Akallabêth”, o conto publicado no “Silmarillion” e citado no “Senhor dos anéis” a respeito da queda de Númenor ao final da segunda era. E este mesmo tema recorreu numa outra história inacabada (e publicada na nona HoME, “Sauron defetead”) chamada de “Notion club papers”, iniciada em 1945 sobre um grupo semelhante aos Inklings, próximo do final do século XX, que de alguma forma conseguem pistas sobre a corrupção dos homens e a queda Númenor durante tempos de guerra. Parte dessa segunda narrativa foi publicada em forma de versos sob o título de “Imram”, na “Time & Tide” em 1955, baseado nas lendas irlandesas de São Brandão, que chegou até um paraíso nos distantes mares do ocidente.
Jack, por sua vez, escreveu, terminou e publicou um livro sobre Elwin Ransom, que é levado até Marte no livro “Out of the silent planet”. Mais ainda, Jack escreveu uma continuação chamada “Perelandra” (sobre uma viagem do mesmo herói até Júpiter) cuja qual Tolkien (ou Tollers) gostou ainda mais do que da primeira. Entretanto, Tolkien abominou a terceira e última parte do que ficou conhecida como “trilogia espacial” (há anos no prelo de uma editora evangélica), chamada de “That hideous strength”, que culmina em uma viagem até Vênus.
O que é mais interessante nessa série de livros de ficção científica (os primeiros livros de Jack) foi que Tolkien (ou Tollers) encontrou alguns ecos de sua obra na obra do amigo (isso muito antes da amizade dos dois se romper devido a, possivelmente, inveja por parte de Tolkien para com o sucesso do amigo). O mito descoberto nas histórias de Jack era o mito de Adão, Eva e a ascenção e pecado da humanidade. Para tanto, referia-se a um paraíso nomeado como Numinor, onde um casal chamado Tor e Tinidril (Tuor e Idril, humano e elfa na “Queda de Gondlin”?) recebiam a visita de Elwin (variação lingüística e snonora de Aelfwine, “amigo dos elfos” e personagem central do então “Book of lost tales” a primeira versão escrita do “Silmarillion”).
Antes de concluir, é importante frisar que “Jack” era o apelido dado a Clive Staples Lewis, mais conhecido como C. S. Lewis, que quando escreveu o sexto volume das “Crônicas de Nárnia” em 1955, conhecido como “O sobrinho do mago” referiu-se a anéis vindo de Atlântida. Mais uma mera coincidência ecoando em sua obra ou mais mito revelado na história dos Inklings?

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