28 novembro 2008

O "white album" do Sigur Rós






Em 1999, "Ágætis byrjun" fez um sucesso que a banda não esperava. Vendeu meio milhão de cópias no mundo todo. Isso em se tratando de um álbum todo cantado em islandês, com ilustrações feitas a caneta bic e um encarte colado a mão (nas primeiras impressões, claro). A sonoridade esquisita que foi definida como "canção pop do futuro mais esvoaçante e lenta", atingiu mais do que um público alvo. A banda que fizera um primeiro e obscuro álbum (fora de catálago por anos) mais voltado para a universalidade sonora, apresentava agora um segundo álbum mais voltado para os vulcões, geleiras, ventos e noites islandesas. Ainda assim, a situação se inverteu e o mundo se apaixonou pela recém descoberta da terra da Björk.




Com trilhas em filmes e cvideo clipes na tv, a expectativa por um novo álbum da banda era grande (provavelmente, ainda menor do que a da própria banda). Assim, durante poucas semanas de 2002, a banda entrou em estúdio sob a co-produção de Ken Thomas (ele tinha trabalhado com a banda no álbum anterior) e com a participação do quarteto de cordas Amiina (na época se chamava Amina, com um "i" só, antes de um processo de uma cantora de mesmo nome). O álbum ficou pronto rápido, sem muitas filtragens e polimentos, de acordo com o vocalista Jónsi. Muitas das músicas já vinham sendo experimentadas em shows (e até na trilha sonora do "Vanilla sky"). Ah, aquele também seria o primeiro álbum sob as baquetas do novo baterista: Orri Páll Dýrason. O antigo saíra para se dedicar a família e a fazenda logo depois da gravação do segundo álbum. A partir de então, essa seria a formação oficial do Sigur Rós (até os dias de hoje).




O resultado do álbum foi "( )". Quem conhece a banda sabe do que estou falando, quem não conhece não precisa se preocupar: o nome do álbum é justamente "( )". Sim, "parêntese aberto, espaço, parântese fechado". Claro, ao longo desses tempos, "( )" recebeu muitos nomes dos fãs que queriam se referir ao álbum em alguma conversa: "parênteses", "álbum branco", "pulsar" e, mais comumente até pelos membros da banda o "Svigaplatan" (ou, "álbum dos parêntes", menos curioso mas mais propício). E a estranhísse não acaba aí. A capa do disco (com 4 versões diferentes ao redor do mundo) era uma imagem indecisa e desfocada recortada no formato de dois parêntes. Simples, uma embalagem em plástico reciclado branco com dois sulcos levando o nome "( )"; dentro da embalagem a caixinha normal do cd com um encarte feito em papel vegetal estampado alguma imagem escura na frente. Assim, ao ter o cd em mãos, você só vê borrões pretos no formtao de dois parêntes. Não há nenhuma indicação do nome da banda, dos músicos, dos produtores, do estúdio e das músicas.




Não há nome das músicas? Sim. O encarte é constituído de 8 páginas em branco, cada uma para cada música. Como as músicas são cantadas em vonlenska (ou hopelandic), elas não possuem tradução ou significado. Está ficando mais difícil? Bem, explico: desdes os primeiros trabalhos da banda, algumas músicas são cantadas em idioma inventado cujo forma são vocalisações desconexas que buscam elevar a voz humana em uma musicalidade de instrumento. Afinal, cordas vocais são instrumentos orgânicos, certo? Então, voltando ao encarte... você encontra as páginas em branco para que você possa escrever suas próprias interpretações das letras (dúvido que alguém tenha riscado seu álbum). Você pode até mesmo nomear as músicas, uma vez que elas não têm nomes.



Os caras da banda até criaram nomes para as músicas, no intuito de conseguirem se referir a eles ou de listarem em seu set list, mas oficialmente, para o lançamento ou encarte do disco, as músicas eram apenas conhecidas como "Untitled 1", "Untitled 2", "Untitled 3", "Untitled 4", "Untitled 5", "Untitled 6", "Untitled 7" e "Untitled 8". Eles até lançaram um single para a primeira faixa, que por não ter nome algum indicado em seu encarte, também, ficou conhecido apenas como "Untitled 1", claro. O single contava com mais três faixas, que alguns chamam de "Untitled 9A", "Untitled 9B" e "Untitled 9C", ou "Track 2", "Track 3" e "Track 4". O single ainda contava com um dvd contendo os então três video clipes da banda (sendo dois do primeiro álbum e um de "Untitled 1"). Mas, antes que se desesperar, é bom saber que os apelidos das músicas foram oficializados com o lançamento em 2007 do ep "Hvarf/Heim" e do filme "Heima", que documentaram apresentações da banda (algumas acústicas).



Que nomes são esses? Bem, respectivamente são "Vaka" (nome da filha do Orri), "Fyrsta" ("primeira canção"), "Samskeyti" ("fixar", uma vez que essa única música sem vocal liga a segunda com a quarta), "Njósnavélin" ("máquina espiã" ou "canção do nada", que poderia ter sido o single desse álbum), "Álafoss" (o nome do pântano onde se situa a fazenda de Orri onde a banda usou uma piscina abandonada como estúdio), "E-bow" ("arco elétrico", já que Goggi usa um arco de cello em seu baixo, nessa música), "Dauðalagið" ("canção da morte") e "Popplagið" ("canção pop", a grande favorita para encerrar os shows da banda). Além disso, se os três lados b do single forem unidos, teremos uma nona música chamada "Smáskífa" ("single"). Essa música, na verdade, começou como um remix de "Vaka", mas começou a ficar tão diferente que ganhou uma cara própria. Um detalhe é que ao invés de "Vaka", a primeira faixa do "( )" era para ser "Salka" (que só foi lançada em 2007, no "Hvarf/Heim", levando o nome da enteada de Orri).



Agora, se você acha que s títulos das músicas podem inspirar algo sobre seu conteúdo, está enganado. A própria banda deu nomes mais genéricos com o intuito de desvincular qualquer imagem pré-concebida. Talvez por essa mesma razão, na época do lançamento a crítica ficou meio confusa (apesar de elogiar fortemente o trabalho). A única referência que podemos fazer sobre as músicas é com as imagens da capa do single (que são baseadas nas imagens do premiado video clipe, dirigido pela excelente e famosa Flora Sigismundi): crianças dançando com máscaras de gás em um mundo de céu vermelho e cinzas e fuligens caindo como neve. Parece triste? Acaba pior, com a morte de uma delas (que alguns dizem ser a verdadeira Vaka, que também empresta sua voz par alguns efeitos sonoros da música).



Com tudo isso em mente, fica tentador e ao mesmo tempo árduo tentar decifrar esse notável terceiro trabalho do Sigur Rós. Se você quiser uma ajudinha, fica uma dica: "( )" significa "uma metade, un intervalo e outra metade". Duvida? O disco mostra quatro músicas alegres e leves, seguidas de um intervalo mudo de 36 segundos, para chegar a mais quatro músicas pesadas e tristes. Se isso não fizer do "( )"o "White album" do Sigur Rós, não sei o que fará. Penso até que o título de "Pulsar" pode ser um referência ao "Pulse". Por que não? Nesse universo imenso de páginas em branco e palavras sem sentido, vale tudo, até bonecos (de neve) feitos de cinzas...



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